Notas ao acaso

«Sofro a necessidade do amor, penso às vezes. E creio senti-la.
Sofro do amor sem partilha, decepcionado. Sofro de desânimo, de desejo, de desalento; sofro
.
Aperta-me, comprime-me a secura dos outros. O seu egoísmo, a sua insociabilidade, ou a sua falsa, interesseira sociabilidade, a sua dureza, a sua aridez, a sua volubilidade! Sinto-me repelida por tudo isto.
E não serei... não serei...
Haveria jamais amor que me contentasse?
Correspondência para a minha pobreza e ânsia?

Mas conquistada ela - com o que não sonho - não me sentiria liberta para me deslocar sempre, em corpo e em espírito, em realidade e em desejos?»
[Irene Lisboa, Solidão II, p.55]

7 comentários:

  1. Este livro de Irene Lisboa tenho-o desde 1982, da Portugália Editora (não sei se ainda existe), e volto a ele de vez em quando.
    Abraço.

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  2. Julgo que a Portugália já não existirá, mas os livros estão editados pela Presença e apurei recentemente que, embora não estejam à venda em muitas livrarias, estão disponíveis na editora.

    A Irene Lisboa foi uma descoberta muito recente. Li uma entrevista dela, que encontrei na net, e depois vi, numa livraria, as «Crónicas», cujo prefácio me «agarrou». Foi por aí que comecei. Ao princípio a leitura «arranhava-me» um pouco, a construção das frases parecia-me um pouco áspera, mas depois dei conta das luminosidades que contém, e aí fiquei fascinado. É uma escrita com uma luminosidade rugosa [se é que a expressão faz algum sentido para alguém, além de mim... :-)].
    Obrigado.
    Abraço

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  3. Nunca li nada da Irene Lisboa.... o que perdi.

    Obrigada por me abrires esta porta.

    Bjs (sou eu.... : ))

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  4. Parece-me deveras interessante, é bom saber que ainda podemos contar com este tipo de autores em Portugal.

    Abraço

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  5. Fala-se de asas, de vida e penas, fala-se da condição do espírito, sua felicidade e sua desdita. Fala Irene Lisboa como ninguém...

    TSC

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  6. "Rugosa", áspera, crua, são expressões que se podem aplicar porque Irene Lisboa escreve sobre a dor da solidão, de quem se sente ignorado, desesperado, esquecido pelos outros.
    Veja só que dentro das páginas deste livro, que já percebi que não tem a paginação coincidente com a do seu, que é uma edição mais recente, fui encontrar uma folha onde anotei alguns excertos:
    "Escrever, pensar...é tudo o mesmo, e nunca conduz a nada, absolutamente a nada. Estamos sempre no meandro, para trás e para diante, desorientados. A vida que vale? Nem nossa é, é dos outros, que no-la desbaratam." (p.62)
    "As pessoas afastam-se de nós, nós despegamo-nos delas...e o que havia a dizer, desfez-se!" (p.66)
    "Quando morrer ninguém dirá (e isso que me podia importar já!) fez...disse...era...etc.
    Porque eu não digo, nem faço, nem sou. Ninguém me deu tempo nem espaço para as revelações. Dona de nada...sem autoridade...passando ao lado de pobres e de ricos que dizem: aqui estou!
    Mas eu não estou nem sou. Algumas vezes, poucas, me interroguei e a resposta era sempre confusa: deixar que os outros sejam..." (p.88)
    E agora o que é que se pode concluir de quem anotou estas frases? Talvez sintonia, similitude, em algumas situações.
    Abraço.

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  7. Sim, tem razão, a própria Irene definia a sua escrita como «áspera». Julgo que buscava a essência do sentir, desprezando os artifícios, os adornos, os vernizes. Curiosamente, a luminosidade vem precisamente daí, e é uma luz que ilumina a solidão de todos e cada um dos leitores. As grandes obras são assim...
    Obrigado pela companhia. Um abraço.

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