Vingança


SHYLOCK - Para iscas! E se para mais nada servisse, servia para eu saciar o meu ódio. Aos seus motejos devo o desprezo que sobre mim pesa; não fora ele, mais milhão e meio teria ganho. As minhas perdas eram motivo para o seu escárnio; zombava dos meus lucros, insultava a minha nação, contrariava as minhas operações, roubava os amigos e animava os meus inimigos, e porquê? Porque sou judeu! Não terá ele olhos, não terá ele também mãos, um corpo, órgãos, sentidos, afeições e paixões, nutrir-se-à ele diferentemente, não é ele vulnerável como os cristãos, não o molestam as mesmas queixas, não o curam os mesmos remédios, não tem nele igual acção o frio do Inverno e o calor do Verão? Fira-me, e o meu sangue gotejará como o do cristão; o contacto inesperado dos seus dedos far-me-ia estremecer como qualquer cristão; se me ofender, como ele me vingarei. Homens como vós, qual é pois a diferença que há entre nós? Qual é o resultado, se um hebreu insultar um cristão? É este vingar-se. Quando um cristão insultar um hebreu, qual deve ser a consequência? Imitá-lo, vingando-se também. Ensinaste-me a perversidade, ó cristãos, asseguro-vos que a aprendi; servir-me-ei dela, e se puder excederei os meus mestres.

[William Shakespeare, «O mercador de Veneza», edição bilingue, tradução de D. Luís de Bragança, colecção livros de bolso da Europa-América, p.59]

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