A queda

«O sentimento do direito, a satisfação de ter razão, a alegria de nos estimarmos a nós próprios, são, caro senhor, molas poderosas para nos suster de pé ou nos fazer avançar. Pelo contrário, privar disso os homens é transformá-los em cães raivosos. Quantos crimes cometidos simplesmente porque o seu autor não podia suportar estar em erro! Conheci em tempos um industrial que tinha uma mulher perfeita, por todos admirada e que, no entanto, ele enganava. Este homem ficava literalmente raivoso ao descobrir-se culpado, na impossibilidade de receber ou de passar a si próprio uma certidão de virtude. Quanto mais a mulher se mostrava perfeita, mais ele se enraivecia. Finalmente, o seu erro tornou-se-lhe insuportável. Que pensa que fez então? Deixou de a enganar? Não. Matou-a.»   

[Albert Camus, «A Queda», Editora Livros do Brasil, p.18]

7 comentários:

  1. Olá,
    Vim fazer uma visita à casa improvável, não dormiria no lado esquerdo da mesma!...
    Deparei com um texto do Camus, um escritor que há muitos anos admiro. De facto, no geral é dificil conviver com a perfeicção dos outros!...
    Um abraço,
    Manuela

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  2. :-))) Tem razão, o lado esquerdo daquela casa mete um bocadinho de medo.
    Grato pela visita. Um abraço.

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  3. Este foi o primeiro livro que li de Camus. Lembro-me que na altura, e já lá vão uns anos valentes, gostei dele. Foi interessante revê-lo num pequeno trecho.

    Dele li o ano passado o "Mito de Sísifo" que faz parte das estantes cá de casa e nunca tinha lido.

    Não sei com que olhos revisitaria "A Queda", possivelmente, iria encontrar novas que outrora não encontrei... Talvez releia!

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  4. Partir o espelho foi sempre uma das soluções. Outra está na cosmética. A negação é também uma forma, mais ou menos sinistra e doentia, de nos mantermos de pé.

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  5. Cara Ana, acabei de ler este livro há pouco tempo mas acho que ainda não o «li» totalmente. É uma sensação semelhante à que se tem quando se espreme uma laranja, por cada volta que se dá sai sempre mais algum sumo...

    E sim, A.C.Valera, é como refere. Enfrentar a verdade, sobretudo a nossa, pode ser duro.

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  6. para mim, o melhor livro de Camus. Li-o tinha 17 anos; reli-o mais tarde e reforcei esta minha opinião :)

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  7. Ainda vou ter de ler mais uns quantos, mas desconfio que vou acabar a concordar consigo... :-)

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