A monarchia

Andam a dizer mal da Monarchia,
Mas sem razão, fallemos a verdade;
Porque aos bons ninguém dá mais garantia
Nem pune aos máos com mais severidade.

Nunca paixões de certa qualidade
Prevaleceram contra o que cumpria,
Nem consta que inspirasse a iniquidade
Despacho, lei, decreto ou portaria!

Há setecentos annos simplesmente
Que este systema nos governa, e vêde
Commercio, industria, tudo florescente.

Os caminhos de ferro é uma rêde!
E quanto a instrucção, toda esta gente
Faz riscos de carvão n'uma parede.

João de Deus, «Campo de Flores - Satyras e Epigramas»,
II vol., Livraria Bertrand, p.11   

5 comentários:

  1. Era tão talentoso, este homem, como poeta, que até conseguia introduzir "caminhos de ferro" num poema com naturalidade...

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  2. «E quanto a instrucção, toda esta gente
    Faz riscos de carvão n'uma parede.» foi o verso que me fascinou. Já reparou como o essencial não mudou, apenas utilizam agora latas de tinta?

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  3. É verdade,"c.a.", também me lembrei dos graffitis...

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  4. Sou fã deste poeta.
    Acho que Portugal mudou bastante.
    E quando João de Deus escreve «E quanto a instrucção, toda esta gente / Faz riscos de carvão n'uma parede.», referia-se à grande maioria da população que era analfabeta. Em 1907, 70% da população com mais de sete anos era analfabeta.

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  5. Confesso que só me lembrava de um ou dois poemas, dos meus velhos livros de leitura da escola primária. Comprei este livro recentemente, e descobri os poemas satíricos. Não fazia ideia que tinha escrito tantos, só me lembrava de um, o da menina que escondeu um colchão no toucado.

    Tem razão, Portugal mudou, a maioria da população já não é analfabeta, e o analfabetismo era, certamente, o que estava no espírito do poeta quando escreveu a frase que refere. Ainda assim, parece-me que com os bons poemas (diria, até, com a boa escrita em geral) passa-se algo semelhante ao que ocorre às boas leis: não se desactualizam. É verdade que, hoje em dia, a maioria dos portugueses (designadamente dos jovens) sabe ler, mas será que «lê» mesmo?...

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