A verdade não é coisa que se ame

Para confessar-se, a pessoa divide-se em duas, e uma delas mente. Para ser sincera, a pessoa ou acredita demasiado em si mesma, ou demasiado acredita nas suas próprias criações. No primeiro caso, é costume achar-se que mente como homem; no segundo, que mente como artista. Quando precisamente ela põe toda a sua honestidade em ser verídica. Ou, se quisermos, não há desonestidade a que ela não se arrisque por amor da verdade. A explicação deste mistério talvez esteja em que a verdade (exista ou não) não é coisa que se ame, ou não pode ser a verdade.

Jorge de Sena, in prefácio do livro «Confissões», de Jean-Jacques Rousseau, Portugália, p.20-21

5 comentários:

  1. Os prefácios ( e traduções) de Sena são sempre muito bons. Ainda mais, quando são de livros da sua autoria. Este não foge à regra.
    Sobre a sinceridade (ou verdade) do artista, creio que Pessoa já disse tudo o que havia para dizer, pode é haver pequenas "nuances" subjectivas de artista para artista...

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  2. Este prefácio não foge à regra, APS. Mas de Jorge Sena é, apenas, o prefácio. A tradução é de Fernando Lopes Graça. Fiquei a pensar se será um homónimo do maestro e compositor, ou se este último era um homem com mais competências que aquelas que lhe conhecia...
    A edição (a 3.ª) é da Portugália Editora, de Março de 1968.

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  3. Fernando Lopes Graça: eis uma questão que preciso investigar!
    E estas linhas vieram cair-me, certeiras, no colo, i.é.,em diálogo íntimo com numa minha situação presente. Não gosto de o fazer, mas vou ter de as "roubar".
    Abraço
    Teresa

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  4. A tradução é mesmo do Compositor.
    O francês foi do sec.XVIII e aí até às gerações nascidas em 1960-1970 a 2ªlíngua e via cultural ou porta para outras. Hoje, como sabemos, o seu conhecimento, na juventude é residual. Daí as muitas traduções do francês feitas por insuspeitadas figuras da nossa cultura, anteriormente.
    De Jorge de Sena, considero magistral a tradução que ele fez de Hemingway, e do inglês, de "The sun also rises" (Fiesta).E, atendendo ao momento, Saramago também fez imensas traduções.
    Era uma forma de alargarem o orçamento, curto, da altura...

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  5. Viva, T.! Entre nós não há «roubar». O que é meu é seu. Abraço. :-)

    Grato, APS. A tradução parece-me excelente.
    Ainda sobre a tradução, no início do livro há uma nota curiosa do próprio F.L.G., que passo a transcrever:
    «Esta edição da tradução portuguesa das Confissões foi revista e corrigida de acordo com a edição crítica, integral, de Bernard Gagnebin e Marcel Raymond, compreendida no 1.º volume das Obras Completas de J.J.Rousseau publicadas pela Bibliothèque de la Pléiade (Editions Gallimard, Paris, 1962)».
    Por aqui se vê como a questão da tradução foi levada a sério...

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