O casamento

Quem inventou o casamento era um engenhoso torturador. É uma instituição devotada ao entorpecimento dos sentidos. O objectivo absoluto do casamento é a repetição. O melhor que pode aspirar é a criação de fortes dependências mútuas.
As discussões acabam por se tornar irrelevantes, a menos que um dos dois esteja sempre preparado para as levar por diante - isto é, a acabar o casamento. Por isso, depois do primeiro ano, deixa-se de «fazer as pazes» depois de se discutir - recai-se num furioso silêncio, que passa a silêncio normal e depois tudo recomeça novamente.
Susan Sontag, Renascer - Diários e Apontamentos 1947/1963, Quetzal, p.100-101


13 comentários:

  1. Congratulo-o por mais uma descoberta videográfica (?). A coreografia tem beleza como a música.

    Do Lou Reed gosto imenso, só há um grande contraste entre a voz feminina cristalina e a voz do Lou Reed.

    Do Diário já não posso dizer o mesmo.
    Bom dia e obrigada pelas descobertas invulgares que faz. :)

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  2. foi agora traduzido o diário, a justeza das impressões da Sontag e a sua total honestidade, a ler.

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  3. Caro c.a., não posso discutir a Sontag, porque nunca a li. Mas há dias discutiu-se esse tema e a opinião era unânime de que a apresentação do «produto» casamento é, realmente, muitíssimo enganosa. As pessoas são levadas a sobrevalorizar o romantismo, que é perfeitamente acessório. O casamento deve ser encarado, pragmaticamente, como um factor estabilizador para a constituição de família e também, senão sobretudo, como um investimento para a terceira idade. Não, certamente, como um perpetuador de paixões. Acho, de resto, perigosíssimo que se case apaixonado. O indivíduo apaixonado só raramente reconhece a pessoa com quem casou. Já não assim quem «apenas» casa com amor e respeito. ;-D

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  4. Luísa,
    Desculpe em me meter no seu diálogo.
    Não sei definir casamento. Pelo menos nos moldes do pragamtismo. Nunca me casaria por pragamatismo, aliás casei-me sem ele.
    Quanto à paixão ela tem que ser alimentada senão a solidão impõe-se. Mas cada dia que passa tenho mais dificuldade em perceber estas coisas.
    Nunca li Sontag mas pareceu-me crú o seu texto e de uma amargura que me afasta da sua leitura.

    c.a.,
    Desculpe meter-me em seara alheia mas interessou-me o comentário de Luísa por ser tão directo.

    Parabéns Luísa gostei do seu blogue.

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  5. Gostei do "apenas" do comentário da Luísa. Do "apenas" que é tudo.

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  6. Li apenas um livro de Susan Sontag, mas ficou a vontade de conhecer mais da sua produção. A obra de que extraíu este excerto consta na lista dos "must read". Parece-me que valerá a pena.

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  7. "Les beaux esprits...",Miss Tolstoi.
    É, no mínimo curioso, que os comentários tenham vindo todos, até aqui, do lado feminino. Por outro lado, não sendo essencial, é útil e importante saber a orientação sexual de Susan Sontag.
    Falta aqui uma opinião masculina para juntar à ironia silenciosa de c. a. - que postou, sem nada acrescentar...("puppets on a string...").
    Tempos houve, de extrema juventude,em que eu dizia que o casamento era o amor elevado ao sacrifício. É claro que os enlaces, nos verdes anos,se fazem, normalmente, por diferença ou por oposiçao de "ser". Com a idade, fazem-se mais por afinidade. E, claro, há que distinguir, com lucidez, amor de paixão, que são coisas bem diferentes.
    Sem hipocrisias nem falsos pudores, e ressalvando pequenas discordâncias, estou próximo dos comentários de Luísa e Miss Tolstoi.
    E disse, totalmente.

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  8. Concordo com o ponto de vista da Susan. Depois da paixão é preciso muito empenho para chegar ao amor, mais fácil é chegar ao silêncio.
    Manuela

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  9. Em primeiro lugar, os meus agradecimentos a todos pelas reflexões que vim encontrar. As minhas desculpas, também, por não ter podido estar aqui para recebê-los, mas o meu dia hoje não foi fácil...

    Obrigado, Ana. Ainda bem que gostou.

    Cara «Via», tem razão: o diário da Susan Sontag (julgo que será o primeiro de vários) é de edição muito recente e, pelo que já tive oportunidade de ler, parece-me um registo honesto e verdadeiro, não só por parte da autora, mas também de quem os editou (o filho da autora). Percebe-se que o texto foi escrito ao correr da pena, e também que o original foi respeitado, desde logo porque há excertos cujo sentido é difícil perceber.

    Este é o primeiro livro de Susan Sontag que leio e, provavelmente, a decisão de começar por aqui não será a mais acertada, tendo em consideração que se trata de uma escrita muito particular, que não permite ter uma ideia do que é a obra. Mas eu gosto muito de diários e devo à Sara a chamada de atenção para esta autora. Duplamente obrigado, Sara. A inclusão deste livro nos seus «must read» parece-me uma boa decisão.

    Cara Luísa, também eu estou próximo da sua reflexão. Não vejo mal em ser pragmático, bem pelo contrário. O ser humano é profundamente social, depende, em larga medida, dos outros. O casamento tem uma função social importantíssima e hoje em dia as pessoas tendem a esquecer esta vertente. Vivemos tempos de profundo egotismo/egoísmo. Tempos de hedonismo extremo. Creio que em muitos aspectos se perdeu o sentido do justo equilíbrio entre prazeres/direitos, por um lado, e responsabilidades/deveres por outro, o sentido da medida... Grato pela sua visita.

    Concordo consigo, Manuela. O silêncio é mais fácil e, regra geral, está associado à desistência, que é o pior de tudo...

    Caro APS, grato pela opinião masculina, que inteiramente partilho. Há ironia, admito, na escolha do tema e da autora (por referência à realidade actual) e na associação do texto ao vídeo ("puppets on a string..."). Foi um acaso. Vi o vídeo há uns tempos e gostei muito. Ontem dei com o texto. A ligação ocorreu-me. Pode ser que, a seu tempo, «germine». Não sei. Veremos...
    Esta tarde não resisti à tentação de espairecer um pouco e fui até ao «Arpose», onde li a citação do Byron que lá deixou. Logo que possa irei até lá. Talvez seja o sítio certo para continuarmos esta conversa...

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  10. Miss Tolstoi, as minhas desculpas. Ao reler hoje o meu longo comentário de ontem reparei que, sem querer, omiti a saudação que lhe é devida. Grato pela visita.

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  11. C.a., permita-me que aqui responda à Ana e à Miss Tolstoi.

    Ana, a minha visão está talvez profissionalmente deformada. Sempre vi o casamento como um contrato. Ora um contrato é uma realidade demasiado «prosaica», muito rigorosa nos seus direitos e deveres recíprocos, naturalmente marginal a questões de ordem romântica (embora envolva algumas obrigações de ordem «moral»). Isto não significa desvalorizar o romantismo e a paixão na tomada de uma decisão de coabitação. Mas coabitar é uma coisa, casar é outra. Ou devia ser. É talvez porque essa distinção ainda não é feita ou não está devidamente interiorizada, que a taxa de falhanços matrimoniais é, por estes dias, tão elevada.
    P.S.: Obrigada, Ana, pela sua visita ao meu canto. :-)))

    Miss Tolstoi, mágicas aspas. ;-D

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  12. C.A.,

    Agradeço este espaço de debate e agradeço a Luísa as suas palavras. O significado "prosaico" como diz do casamento eu entendo; o pragamtismo vejo-o como conformismo social, mas admito que possa ser errónea esta ideia. Em casamentos "cor-de-rosa" também não acredito.

    c.a.,
    Egoísmo e hedonismo até aceito que haja, embora ache esse ponto de vista errado, mas não vejo o pragmatismo como a solução desse hedonismo. Deve haver respeito, amor e verdade para com o outro, mesmo que por vezes seja difícil, é o sal e a pimenta de viver.
    As pessoas agregam-se com outras que têm os mesmos gostos, talvez nisso haja algum pragamatismo.
    Com tudo isto fez-me vontade de conhecer Sontag, talvez a procure. Neste momento ando com muito trabalho e demoro a ler os livros de lazer... mas espreitarei.

    Obrigada.:) Desculpe alongar-me e ocupar este seu espaço.

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  13. Concordo consigo, Luísa (provavelmente porque padeço de idêntica deformação profissional). Coabitar é uma coisa, casar outra. Susan Sontag (cuja orientação sexual é conhecida) experimentou as duas realidades, pelo que me pareceu interessante e curiosa a apreciação que faz do casamento, sobretudo se tivermos em consideração os desenvolvimentos mais recentes deste tema, designadamente a legislação recentemente aprovada. Não o escrevi (como aliás é regra minha aqui na «Casa») mas efectivamente pensei isto.
    E sinta-se à vontade nesta sua «casa»! :-)

    Quando referi a necessidade de pragmatismo, Ana, queria dizer que me parece que as pessoas devem procurar ver a realidade como ela é, em todas as suas vertentes. E é por esta razão que os diários de Susan Sontag, exactamente por serem directos (ou «crús», conforme a Ana acima refere) na abordagem dos temas, me interessam.
    E não tem de pedir desculpa. Há muito tempo que a «casa» é sua :-)

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