Pruridos de nobreza

Eu não creio que a nossa Fidalguia
Procedesse d'Adão, que era um coitado;
Um paisano, que nunca andou calçado,
Um pobre, que de peles se vestia.

Não teve armas, brasões; nem possuía
Por prova de ser nobre algum Morgado;
O fôro nunca viu; nem foi tratado,
Como agora se faz, com Senhoria.

Eva inda foi pior, pois na Escritura
Se não trata de Dom, nem de Excelência.
Nem se diz se nas danças fez figura.

E assim venho a tirar por consequência,
Que estando hoje a nobreza em tanta altura
Não traz dele, nem dela a descendência.

Paulino António Cabral, Poesias, Livraria Figueirinhas - Porto, p.100


4 comentários:

  1. Foi uma boa homenagem à Republica:-)

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  2. A ânsia de tudo igualizar conduz por vezes a coisas grotescas, como sabe quem tem sido sujeito à civilidade dos operadores de call-centers e afins.

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  3. Não conhecia e achei graça.
    Quanto ao Barry Lyndon, ainda há poucos dias, foi falado, no Prosimetron, por questões diversas.

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  4. Obrigado, APS :-)

    Caro Luís Barata,
    Não sei se entendi bem o seu comentário. Será que está a referir-se à forma de tratamento usada pelos operadores de call-centers? Confesso que ligo muito pouco a esse aspecto, e por isso o essencial do seu comentário talvez me tenha escapado...

    Em dia de aniversário da República escolhi este poema do Abade por se referir à questão que me faz ser republicano: o conceito de «filho de algo» é, para mim, um absurdo. Todos somos «filhos de algo». Para mim faz muito mais sentido a ideia de «cidadão», da Revolução Francesa. A escolha do filme veio por associação. Obrigado, MR. Ainda bem que apreciou :-)

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