A escrita (ainda)

A palavra é m espartilho das ideias - diz-se. É o pior (...) Agora mesmo eu estou aqui, difuso neste ambiente de fumo de cigarro, cansado, e tenho flores na secretária, cartas, retratos, o candeeiro apagado, livros, tinta, pés frios, uma carroça martela a calçada - e tudo é presente ao mesmo tempo e tenho uma ideia sumária sobre tudo, e há gente na vizinhança falando, e portas cá em casa batendo, e um garoto assobia lá fora, mais carroças, um pássaro num telhado e o céu azul, respiro e repouso. Tudo isto é exacto e simultâneo. Como descrevê-lo porém sem lhe destruir a interpenetração e a verdade de ser simultâneo? 

Vergílio Ferreira, Diário Inédito, Bertrand Editora, p.26

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A escrita

a escrita é a minha primeira morada de silêncio
a segunda irrompe do corpo movendo-se por trás das palavras
extensas praias vazias onde o mar nunca chegou
deserto onde os dedos murmuram o último crime
escrever-te continuamente... areia e mais areia
construindo no sangue altíssimas paredes de nada

(...)