Sinto os mortos

Sinto os mortos no frio das violetas
E nesse grande vago que há na lua.

A terra fatalmente é um fantasma,
Ela que toda a morte em si embala.

Sei que canto à beira de um silêncio,
Sei que bailo em redor da suspensão,
E possuo em redor da impossessão.

Sei que passo em redor dos mortos mudos
E sei que trago em mim a minha morte.

Mas perdi o meu ser em tantos seres,
Tantas vezes morri a minha vida,
Tantas vezes beijei os meus fantasmas,
Tantas vezes não soube dos meus actos,
Que a morte será simples como ir
Do interior da casa para a rua.

Sophia de Mello Breyner Andresen, Obra Poética I, Círculo de Leitores, p.65



5 comentários:

  1. Embora eu não esteja neste "mood", c.a.,como sempre, fez um "exquis" e magnífico casamento de música (que eu não conhecia) e texto.

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  2. Sophia é uma poetisa que quanto mais leio, mais gosto. E há dois ou três dias que ando a folhear, precisamente, estes dois volumes.
    Purcell adoro. E Andreas Scholl é o único contra-tenor que oiço e gosto.
    Magnífico.

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  3. Muito obrigado, APS. A ária faz parte do «King Arthur», de Henry Purcell. Este:
    http://en.wikipedia.org/wiki/King_Arthur_%28opera%29
    Dela já se fizeram muitas versões, cantadas por vozes de todos os registos (soprano, tenor, barítono e baixo). Esta é uma versão fiel ao original e, a meu ver, absolutamente extraordinária.

    Obrigado, Ana. Ainda bem que gostou.

    A poesia da Sophia é um amor muito antigo, MR. Tenho (melhor dizendo, tive) alguns problemas na minha relação com a poesia, mas nunca com a poesia dela. O que me lembra que tenho de passar pela Biblioteca, para ver a exposição...

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  4. poema duro e belo!

    gosto muito desse estilo de escrver!

    abraços !

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  5. A poesia de Sophia é, de facto, única, Moisés Poeta. Ainda bem que gostou!

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