Jorge de Sena

Jorge de Sena foi um escritor, um ensaísta e um poeta português. Grande. Morreu no estrangeiro e o regime celebrou-se com as suas ossadas. Sena era do tempo em que os intelectuais se enojavam com o ambiente irrespirável do país. Agora os intelectuais não só não se enojam como apoiam ambientes irrespiráveis. Não tenho bem a certeza é que sejam intelectuais. Duvido, porém, que, se fosse vivo, Sena apreciasse o fútil exercício. O seu justíssimo orgulho amargo não se daria bem com piedades póstumas. Eduardo Lourenço falou, certeiro, do «regresso do indesejado». Anos a fio, no antigo como no novo regime (...) trataram-no sempre como um intruso, como um estranho ao cânone oficial e ao «amiguismo» circular. Quando olho para aquilo a que apelidam de «literatura portuguesa» - uma categoria pífia onde cabe tudo, desde o romance encomendado a jornalistas da moda, a meninos e meninas dados a tremuras cerebrais lá onde nem existe uma cabeça - percebo melhor por que é que um homem da dimensão de Sena teve de ir embora daqui para ser Jorge de Sena. Porque aqui matam as pessoas em vida para, depois de mortas, as exibirem como troféus nacionais. Sena acompanhou a minha adolescência e a minha juventude. Como ensaísta, como camonista, como poeta, como romancista, como contista. Em suma, como um Homem. A melhor homenagem que se deve fazer a seres raros como Sena é lê-los e deixá-los entregues à luminosa eternidade a que pertencem.

João Gonçalves, Contra a Literatice e Afins, Guerra e Paz, p. 50-51
 

5 comentários:

  1. Gostei muito quer do texto, quer das palavras de Mécia de Sena, mas, já agora gostaria de lembrar umas palavras de E. de A. ("Homenagens e outros Epitáfios") à memória de Sena. Segue um pequeno excerto do poema.

    "Não te faltou orgulho, eu sei;
    orgulho de ergueres dia a dia
    com mãos trementes
    a vida à tua altura
    - mas a outra face quem a suspeitou?
    Quem amou em ti
    o rapazito frágil, inseguro
    a irmã gentil que não tivemos?"

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  2. Obrigada, APS. Efectivamente, o poema de Eugénio de Andrade (grande amigo de Jorge de Sena, conforme Mécia refere) é o remate ideal para o post.
    Comprei este livro do João Gonçalves há poucos dias, estou a vinte páginas do fim. É um livro provocador, que recomendo.

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  3. Jorge de Sena foi bom em tudo o que escreveu: como poeta, como romancista e contista, como ensaísta (camonista, pessoano, literatura americana). E foi um óptimo professor (diz quem foi seu aluno).
    Quanto ao texto de João Gonçalves, não posso concordar com ele, quando ele mete no mesmo saco todo o período de vida de Jorge de Sena como «o regime». «Morreu no estrangeiro»: sabe-se bem porque Jorge de Sena se exilou no Brasil e mais tarde nos EUA.
    Não voltou a Portugal porque os ordenados eram pequenos para criar nove filhos.
    O «regime celebrou-se com as suas ossadas»: não me parece que isso tenha acontecido. Era vontade de Jorge de Sena ser enterrado em Portugal. Foi o que aconteceu. Houve algumas festas estrondosas? Não é dever (ou não deve ser) celebrarmos os nossos maiores? Parecia-me bem pior se o não tivessemos feito.
    Qunato ao eocumentário, vi-o na televisão, bem como um outro feito por Diana Andringa. Gostei bastante de ambos.

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  4. Concordo com João Gonçalves quando diz: «A melhor homenagem que se deve fazer a seres raros como Sena é lê-los» e aprender algo com eles.

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  5. O João Gonçalves é um provocador, MR, senhor de uma retórica sedutora, independentemente do resultado que obtém. Creio, até, que mais que a concordância, o João procura despertar o interesse do leitor para um assunto, um ponto de vista e, acima de tudo, procura surpreender-nos. Este, a meu ver, o aspecto mais original da escrita do João e o que o distingue, por exemplo, de outros escritores, igualmente polémicos mas que, por dizerem sempre mal, já não conseguem surpreender...

    Quanto a Jorge de Sena, confesso-lhe que as escolhas que fez, a forma como viveu a sua condição de português, são-me relativamente indiferentes. Ou melhor, interessam-me na medida em que possam ser importantes para compreender a obra. Depois, a omnipresença da sua famosa viúva (como aliás, a omnipresença de todas as viúvas de grandes criadores), velando zelosamente pelo espólio, enerva-me. Sena não precisa disto porque foi, indiscutivelmente, um grande criador, e - sorte a nossa - nasceu em Portugal, estudou em Portugal, viveu os primeiros anos da sua vida em Portugal, e, «last but not least», escreveu em português. Por todas estas razões, a obra de Sena (tal como a obra de outros grandes criadores) é «património comum», integra a ideia que (erradamente ou não) tenho do que é uma pátria. Nesta medida, as homenagens públicas parecem-me úteis e, até, necessárias, uma vez que colocam em evidência esta realidade e porque levam a generalidade dos cidadãos ao que, de facto, interessa: a leitura da obra ( e quanto a isto estamos todos de acordo)
    Grata pela tertúlia, MR. É sempre um prazer! :-)

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