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20/06/11

Minha mãe

Minha mãe zangava-se muito. Entrava em casa quando vinha de fora, da quinta ou da sapataria, e a casa cobria-se de culpas, toda gente era incluída.
Não sei que humor devastador a tomava. Ou sei, agora que sinto o mesmo, uma espécie de desabrido desgosto de retomar um reino que se herdou e não o queríamos. Estou a parecer-me com a minha mãe, finalmente encontramo-nos depois de tantos anos de frieza meio arrependida. Eu acusava-a de ser tão adaptada e falar por provérbios que permitem alguma segurança de opinião. Eu fazia os meus provérbios, era sempre irascível na maneira de proibir qualquer adulação. Cuidado em ter amor por mim! O amor parecia-me enfadonho quando oferecido; tinha de ser difícil e não carinhoso e leviano. "Amor de menino é como água em cestinho" - o mundo parecia-me povoado de crianças, dessas que morrem cedo e têm no peito um vazio.

Agustina Bessa-Luís, O livro de Agustina Bessa-Luís, Guerra e Paz,p. 80-81

04/03/11

Automatismo

Não há automatismo puro, em arte. Os conflitos e as cintilações do inconsciente produzem uma objectividade que parece desdenhar de toda a objectividade mental. Mas a consciência é a região nobre do automatismo, visto que o inconsciente não tem escrita nem linguagem, excepto a histeria e o seu processo.

Agustina Bessa Luís, Dicionário Imperfeito, Guimarães Editores, p.22 

22/06/10

Cólera

Liberta o coração para razões que prolongam o desejo de viver. Quem não se encoleriza acaba por pedir socorro por meio de doenças, obsessões e livros de viagens.

Agustina Bessa-Luís, Dicionário Imperfeito, Guimarães Editores, p.53



26/05/10

Maio, maduro Maio...

«O que resta é sempre o princípio feliz de alguma coisa
Agustina Bessa-LuísDicionário Imperfeito, Guimarães Editores,  p.115




Para APS

20/04/10

Divagações (1)

 
Biblioteca de jardim, Lisboa, Portugal
Estúdio Mário Novais, in Biblioteca de Arte da F.C.G.

Les femmes préfèrent les emotions à la raison, c'est tout simple: comme en vertu de nos plats usages, elles ne sont chargées d'aucune affaire dans la famille, la raison ne leur est jamais utile, elles ne l'éprouvent jamais bonne à quelque chose.
Stendhal, De L'Amour, Editions au Grand Passage, Geneve, p.17

Havia em Atenas uma moça chamada Hipácia, de entendimento tão superior que ensinava retórica publicamente. Conheceu Hipácia que um dos seus discípulos se achava perdidamente enamorado dela, porém que o respeito lhe impedia que se explicasse. O estado a que ele chegou lhe fez compaixão, vendo que ameaçava trágico fim. Chamou-o Hipácia particularmente a sua casa e depois de lhe dizer com toda a doçura que ela tinha adivinhado o segredo do seu mal, no que ele logo consentiu, lhe descobriu o seu corpo em hora que as mulheres têm o maior cuidado em ocultá-lo e disse-lhe: "Aqui tendes, meu filho, o horror que vós amais". O discípulo, interdito e confuso, se lançou a seus pés, e pedindo-lhe perdão prometeu emendar-se da sua paixão e assim o fez. 
Cavaleiro de Oliveira, Cartas, selecção, prefácio e notas de Aquilino Ribeiro, Livraria Sá da Costa, p.77

A razão é como uma mulher honestíssima e sem parentes, que em tudo está falta de auxílio e de liberdade.
Agustina Bessa-Luís, Dicionário Imperfeito, Guimarães Editores, p.247

13/04/10

Mediania

Demasiada lucidez é culpada num mundo de cegos, que com a cegueira se contemplam sem desastre de maior.
Agustina Bessa-Luís, Dicionário Imperfeito, Guimarães Editores, p.173

A característica própria de um homem corajoso é falar pouco e executar grandes acções. A característica de um homem de bom senso é falar pouco e dizer sempre coisas razoáveis.
Abade Dinouart, A arte de calar, Martins Fontes, p.14

03/04/10

A alma dos ricos

Concurso hípico, Lisboa, 1928 - Mário Novais, Biblioteca de Arte-F.C.G.


«Não é raro que as raparigas muito ricas escolham maridos pobres e que as limitem nas ambições. Chama-se a isso voltar ao pão seco, que pode constituir um desejo inspirador nas mulheres.
 O pai das duas meninas (havia também um rapaz, Eduardo) pertencia ainda à classe dos industriais de pano branco que se estendiam pelas margens do rio Ave com uma regular variedade de apresentação. Uns eram ricos com obstinação da consideração social, obtinham um título papalino e faziam-se solitários na sua terra onde o passado modesto lhes pesava como chumbo. Outros, como no caso de Amílcar da Barca, nunca rejeitavam nem os gostos nem as fraquezas, fiéis aos pratos tradicionais e ao pão de milho com chouriço. Educavam tão bem os filhos que se lhes tornavam estranhos.
Contudo o Amílcar da Barca teve o critério romanesco de se casar com uma Silva de Lanhoso, esta de casa apalaçada cujos telhados estavam uma ruína. A ruína dos telhados leva às vezes a alianças inesperadas.
As Silva Lanhoso eram de facto boas mulheres, mas completamente intragáveis quando se tratava de etiqueta. Tinham sempre um moço ao lado que levava o banquinho para os pés, na missa, e a escalfeta para o teatro. Chamavam-lhe o mandarete. Ninguém falava à mesa antes de a Silva se assoar estrondosamente depois de comer a sopa. Não era uma déspota; era um relógio de carrilhão.»

Agustina Bessa-Luís, «O Princípio da Incerteza - A Alma dos Ricos», Guimarães, p. 11

25/03/10

Pessoas

«Gosto das pessoas como elas são e dá-me imenso prazer - cada vez mais - ser agradável e gostar de quem não vale grande coisa. De outra forma sentir-me-ia muito só neste mundo.»

Agustina Bessa-Luís, Dicionário Imperfeito, Guimarães Editores, p.218

08/03/10

As mulheres


Não creio que as mulheres tenham problemas de solidão. Estão preparadas para a solidão e, em geral, para toda a espécie de sofrimento; a natureza dotou-as com singulares poderes de resistência, o que os doutos alquimistas diziam ser humor frio e incapaz de maturidade intelectual. Acho mesmo que a solidão é um estado natural da mulher; e por isso todos os movimentos ascéticos que envolviam retiro e culto da experiência espiritual, desde as vestais de Roma até às Damas do Amor Cortês, na Provença, partiam dum sentimento feminino muito acentuado. Os homens não encaram bem esse protótipo de mulher espiritual, porque ele é o único que recria a independência feminina depois do primeiro Éden. E diz-se primeiro Éden porque, segundo as Escrituras, houve, antes de Eva, uma mulher pura, inteligente e igual ao homem, de grande condição metafísica, porém cruel e sumamente poderosa. Chamava-se Lilith. Em suma, o mito da mulher fatal, que o homem teme e, ao mesmo tempo, pretende conhecer como sua verdadeira metade.

O dilema é este: nós as mulheres, somos prosaicas, sobretudo quando somos naturais. É próprio daqueles que são delicados e frágeis o serem terra-a-terra, porque isso lhes dá a impressão de estarem mais protegidos. A realidade protege mais do que os sonhos, do que as coisas imaginárias.

Agustina Bessa-Luís, Dicionário Imperfeito, Guimarães Editores, p. 192-193 e 195-196

Pantha rei

  Nenhum homem consegue banhar-se duas vezes no mesmo rio .  Porque não é o mesmo homem, nem é o mesmo rio. Tudo flui.    Heraclito, em vers...