Acontece. Será sempre assim?
O meu espírito é um rochedo,
sem dedos para me segurar, sem voz;
é o meu Deus o pulmão de aço,
que me vem amar, que bombeia
os meus dois
sacos de pó, que oscilam para dentro e para fora,
e, assim, não me permite
recair
enquanto o dia lá fora desliza como uma fita perfurada.
A noite traz violetas,
tapeçarias de olhos,
luzes,
os serenos e anónimos
conversadores: "Estás bem?"
o peito engomado, inacessível.
Como um ovo morto, estou deitado
intacto
num intacto mundo que não posso tocar;
no branco, tenso
tambor do leito onde adormeço
fotografias visitam-me...
A minha mulher, morta e estendida, com as suas peles de 1920,
a boca cheia de pérolas,
duas raparigas,
estendidas como ela, que murmuram "Somos tuas filhas".
As águas paradas
envolvem-me os lábios,
os olhos, o nariz e os ouvidos,
um transparente
celofane que não consigo romper.
Apoiada nas minhas costas nuas
sorrio como um buda, todas
as necessidades, e desejos
caindo de mim como anéis
acariciando as suas luzes.
A garra
da magnólia,
embriagada pelo seu aroma,
nada pede à vida.
Sylvia Plath, Pela Água,
tradução de Maria de Lourdes Guimarães, Assírio & Alvim, p.47-48