O medo

«E agora não estou tomando tua mão para mim. Sou eu quem está te dando a mão.
Agora preciso de tua mão, não para que eu não tenha medo, mas para que tu não tenhas medo. Sei que acreditar em tudo isso será, no começo, a tua grande solidão. Mas chegará o instante em que me darás a mão, não mais por solidão, mas como eu agora: por amor. Como eu, não terás medo de agregar-te à extrema doçura enérgica do Deus. Solidão é ter apenas o destino humano.
E solidão é não precisar. Não precisar deixa um homem muito só, todo só. Ah, precisar não isola a pessoa, a coisa precisa da coisa: basta ver o pinto andando para ver que seu destino será aquilo que a carência fizer dele, seu destino é juntar-se como gotas de mercúrio a outras gotas de mercúrio, mesmo que, como cada gota de mercúrio, ele tenha em si próprio uma existência toda completa e redonda.
Ah, meu amor, não tenhas medo da carência: ela é o nosso destino maior. O amor é tão mais fatal do que eu havia pensado, o amor é tão inerente quanto a própria carência, e nós somos garantidos por uma necessidade que se renovará continuamente. O amor já está, está sempre. Falta apenas o golpe da graça - que se chama paixão.»
[Clarice Lispector, «A Paixão Segundo G.H.», Relógio D'Água, p.136]

5 comentários:

  1. voltarei para comentar este post; agora, como num espelho, vi aqui um medo meu,que, fazendo jus a si mesmo,aniquilou-me.

    Beijinhos
    TSC

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  2. Querida T., não precisa comentar, só mesmo se lhe apetecer...
    Beijinhos

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  3. bem, na verdade, eu fiz um comentário sobre «o medo» :-))))

    Dando de beber ao enigma, acrescento umas palavras de Al Berto que escreveu para não se deixar invadir pelo medo (e escrever não é isso?)

    «um dia, um desconhecido virá ao meu encontro na rua, e dirá: "conheço-te, sou a tua imagem perdida uma noite dentro do espelho."
    ficarei a olhar-me no seu rosto exactamente igual ao meu, sem saber por onde fugir-me.»

    Al Berto in «O Medo», p.365, Assírio & Alvim

    TSC

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  4. Bem sei, mas ainda assim... :-)

    Agora sou eu quem vai ter de pensar melhor, porque o poema que cita me fez-me voltar ao que escrevi aqui:
    http://acasaimprovavel.blogspot.com/2009/08/dias-de-fugir.html
    Talvez faça outro post... :-)
    Beijinhos
    C.

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  5. Adenda:

    Gosto muito do Al Berto. É um dos tais poetas que «faz faísca» dentro de mim... :-)

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