Mostrar mensagens com a etiqueta Andreas Scholl. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Andreas Scholl. Mostrar todas as mensagens

19/04/11

Afinidades electivas

No mundo ordenado de uma Europa onde a burguesia procurava o apogeu (que afinal não veio) Napoleão podia dizer, com tranquilidade e ressonância, que a Tragédia era a Política.
Os tempos passaram e essa ordem de civilização, frustrada no Velho Mundo, reagiu e alcançou apreciável plenitude nos Estados Unidos da América mas, logo em seguida, entrou em fase de decadência, ou, pelo menos, de grave conflito. A Tragédia transbordou os cenáculos da Política e derramou-se pelo asfalto da própria Linguagem dos homens. De certa forma foi um retorno às origens.
É a Linguagem que melhor se percebe, hoje, o caráter quase irremível do caos. Ao falar, ao pretender comunicar-se com o seu companheiro revolvente no drama pintado tanto por Tocqueville quanto por Orwell, a humanidade consegue apenas balbuciar quando quer falar de tudo e em especial da Morte, quando outrora achara meios de lhe emprestar um verdadeiro esplendor(...)
Somos os herdeiros de Aristóteles, o primeiro a - na Poética - reduzir a Tragédia ao efeito que produz no espetador. Mas herdeiros perdidos num deserto.
Parece definitivamente morta a era em que a civilização ocidental, ébria por um poder verbal que conseguia a suprema arte de distinguir entre o 'Ser' e o 'Não Ser', viveu a ilusão generosa do humanismo, grega, primeiro, cristã depois.
Talvez pressentindo o que viria a suceder, Shakespeare pediu às noites de verão o que o racionalismo não nos conseguia dar e entregou a Lear a chave de um 'Dizer' já desesperado e a Hamlet a incumbência de nos lembrar o 'Ser' ou 'Não Ser'. Já era, no fundo, um recurso terrível à Loucura como antítese da lucidez com que a Grécia tratou Édipo e este dos seus (nossos) problemas.
Tendo confiado a Tragédia à Política julgando que ela não mais retornaria à Linguagem, o homem ocidental entrou no deserto.
Hoje, incapaz de falar, de 'destragedisar' a Tragédia pela sua expressão, o homem ocidental parece resignado a esperar as patas dos cavalos mongóis.
Para depois - quem sabe? - recomeçar tudo de novo.

Victor Cunha Rêgo, O Trágico, in Liberdade, O Independente, p.173 a 175



Com envoi ao PROSIMETRON, neste terceiro aniversário. Que tenha uma vida longa!

Tudo flui

«Para quem entrar no mesmo rio, outras são as águas que correm por ele.» (frg.12 Diels-Kranz) Heraclito , "Hélade - Antologia da Cultur...