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01/01/12

As Fúrias

(...) O futuro
o ouvirás, quando surgir. Antes disso, esqueçamo-lo,
que o mesmo vale que começar logo a gemer.
Virá claramente com a luz que o vir nascer.
Seja bem sucedida, depois disto, a acção, (...)

Ésquilo, Agamémnon, 248-257,
in Hélade - Antologia da Cultura Grega, org. e trad. Maria Helena da Rocha Pereira, Guimarães Ed., p.227


27/10/11

O sol é grande...

O sol é grande, caem com calma as aves
Em tal sazão que soía de ser fria.
Esta água que cai de alto acordar me hia
De sono não, mas de cuidados graves.

Oh cousas todas vãs, todas mudaveis,
Qual é o coração que em vós confia?
E passa um dia assi, passa outro dia,
Incertos muito mais que ó vento as naves?

Eu vira ja aqui sombras, vira flores,
Eu vira fruita ja, verde e madura;
Ensordecia o cantar dos ruiseñores!

Agora tudo é seco e de mistura:
Tambem mudando me eu, fiz outras côres.
E tudo o mais renova: isto é sem cura. 

Francisco de Sá de Miranda, Poesias de ...,
edição de Carolina Michaëlis de Vasconcelos, INCM, p. 81


22/07/11

Luar

Aqui, nada.
O vento levou as palavras.
Só me deixou as mãos cheias
de luar...

Paulo Assim, Celulose, Lugar da Palavra, p.63


17/07/11

Exercícios de reconhecimento [1]

A paixão de Floria Tosca é uma vertiginosa descida para o abismo, entre a tarde de 17 e a madrugada de 18 de Junho de 1800: uma correria entre o Teatro Argentina e a basílica de Sant'Andrea della Valle, entre o Palazzo Farnese e a villa de Mario Cavaradossi, à entrada da Via Appia; um último esforço para salvar a paixão da sua vida, no Castelo Sant'Angelo; e um salto para o vazio, do torreão de S. Mateus, longe da vista dos anjos de Bernini que adornam a ponte que conduz àquele que foi o primeiro mausoléu de Adriano. É uma tragédia romana, nas cores e na arquitectura. E uma trama de suspeitas, equívocos e traições, urdida pela imaginação de um francês e pelo génio musical de um italiano.

António Mega Ferreira, Roma - Exercícios de reconhecimento, Sextante Editora, p.131



11/02/11

Saudade

A Viagem Definitiva

...E eu irei. E ficarão os pássaros
cantando;
ficará o quintal, com sua verde árvore
e seu poço branco.

Todas as tardes o céu será azul, tranquilo;
e tocarão, como esta tarde tocam
os sinos no campanário.

Morrerão aqueles que me amaram
e a terra será nova cada ano;
e naquele meu canteiro florido e caiado
o meu espírito há-de pairar nostálgico...

E eu irei; estarei só, sem lugar, sem árvore
verde, sem o poço branco,
nem céu azul e plácido...
E os pássaros ficarão cantando.

Juan Ramón Jimenez, Poemas agrestes, 1910-1911, trad. Alberto Soares

Indecentemente surripiado ao Arpose, alegando como causa exculpativa os muitos dias de saudade da poesia, que me consome...


18/01/11

Amar

Não é de amor que careço.

Sofro apenas
da memória de ter amado.

O que mais me dói,
porém,
é a condenação
de um verbo sem futuro.

Amar.

Mia Couto, Idades Cidades Divindades, Caminho, p.74


09/01/11

Marinheiro

Vem do mar azul o marinheiro
Vem tranquilo ritmado inteiro
Perfeito como um deus,
Alheio às ruas.

Sophia de Mello Breyner Andresen, Marinheiro Real, Obra Poética I
Círculo de Leitores, p.310


14/12/10

Pássaros

Passam
tão próximos não sabem
destes pássaros macios
que crescem com a noite e não cessam
de cantar nem adormecem nunca.

Alberto Soares, Escrito para a noite, INCM, p.30



13/10/10

Cantilena doce

Nonagésimo dia que não fosse
e como sê-lo ainda cantilena
doce nos ouvidos vento insone
ó maravilha sobreposta amena

por tanta cela amarga no regresso
de cada ramo tenro. Este arredio
pássaro preso de quantas breves sílabas
cortantes a moverem-se de exílio.

Ou na sombra repete como ver-te
concertina da noite quase cega
à minha voz e só para contigo
essa música nova que se abria

ó toda toda feita de sossego
por sobre o coração fundo e ferido.

Alberto Soares, Escrito para a noite, INCM, p.41


04/10/10

Ah, diz-me a verdade acerca do amor


Há quem diga que o amor é um rapazinho,
E quem diga que ele é um pássaro;
Há quem diga que faz o mundo girar,
E quem diga que é um absurdo,
E quando perguntei ao meu vizinho,
Que tinha ar de quem sabia,
A sua mulher zangou-se mesmo muito,
E disse que não servia para nada.

Será parecido com uns pijamas,
Ou com o presunto num hotel de abstinência?
O seu odor faz lembrar o dos lamas,
Ou tem um cheiro agradável?
É aspero ao tacto como uma sebe espinhosa
Ou é fofo como um edredão de penas?
É cortante ou muito polido nos seus bordos?
Ah, diz-me a verdade acerca do amor.
(...)

W.H.Auden
, Diz-me a verdade acerca do amor - dez poemas,
trad. de Maria de Lourdes Guimarães, Relógio D'Água, p.9


23/09/10

Atrás de tempo...

Há um mês, se tanto, avisara ela o seu amigo de que, em tempo azado, deixaria Macau. E, sem se mostrar surpreendido, Lu respondera que atrás de tempo, tempo vinha, e que nas causas do coração... Desde quando é que o coração se regulava pelo calendário?
Maria Ondina Braga, Nocturno em Macau, Caminho, p.211



15/09/10

Saudade

(...) E porem me parece este nome de ssuydade tam proprio, que o latym nem outro linguagem que eu saibha nom he pera tal sentido semelhante. De sse aver alguas vezes com prazer, e outras com nojo ou tristeza, esto se faz, segundo me parece, por quanto suydade propriamente he sentydo que o coraçom filha por se achar partydo da presença dalgua pessoa, ou pessoas que muyto per afeiçom ama, ou o espera cedo de sseer. E esso medês dos tempos e lugares em que per deleitaçom muyto folgou. Dygo afeiçom e deleitaçom, por que som sentymentos que ao coraçom perteencem, donde verdadeiramente nace a ssuydade mais que da rrazom nem do siso. E quando nos vem algua nembrança dalguu tempo em que muyto folgamos, nom geeral, mas que traga ryjo sentydo, e por conhecermos o estado em que somos seer tanto melhor, nom desejamos tornar a el por leixar o que possuymos, tal lembramento nos faz prazer. E a mingua do desejo per juyzo determynado da rrazom nos tira tanto aquel sentydo , que faz a ssuydade, que mais sentymos a folgança por nos nembrar o que passamos, que a pena da myngua do tempo ou pessoa. E aquesta suydade he sentyda com prazer mais que com nojo nem trizteza.

D. Duarte, Leal Conselheiro
in História e Antologia da Literatura Portuguesa, séculos XIII-XV, vol.I, FCG - Serviço de Ed. e Bolsas,p.487


in memoriam de Francisco Ribeiro

09/09/10

Dentro de mim

Abarco todo o horizonte
Dentro de mim há só água,
água estagnada, dos charcos
represos da minha mágoa.

Tenho tudo nos meus olhos,
as cores todas, e ponho
um leve acento de angústia
nas margens tristes do sonho.

Dentro de mim só há sombra.
O que possa acontecer
vai rasgando espaços brancos
nas fronteiras do meu ser.

Albano Martins, Assim são as algas, Campo das Letras, p.24

24/08/10

Curva cega

é sempre a mesma curva

cega, neste troço de pedra lascada,

não há como escapar

às primeiras chuvas

ao piso escorregadio dos olhos,

despiste, falésia mortal,

o coração não entende

sinais vermelhos.

Renata Correia Botelho, 
in revista Telhados de Vidro nº 2, p. 39, Averno, Lisboa, Maio 2004, 
respigado aqui e com agradecimento a APS, que recomendou.


15/07/10

Sad Steps



Groping back to bed after a piss
I part thick curtains, and am startled by
The rapid clouds, the moon's cleanliness.

Four o'clock: wedge-shadowed gardens lie
Under a cavernous, a wind-picked sky.
There's something laughable about this,

The way the moon dashes trough clouds that blow
Loosely as cannon-smoke to stand apart
(Stone-coloured light sharpening the roofs below)

High and preposterous and separate -
Lozenge of love! Medallion of art!
O wolves of memory! Immensements! No,

One shivers slightly, looking up there.
The hardness and the brigntness and the plain
Far-reaching singleness of that wide stare

Is a reminder of the strength and pain
Of being young; that it can't come again,
But is for others undiminished somewhere.

Philip Larkin, Sad Steps, in dark matter poems of space,
selecção de Maurice Riordan e Jocelyn Bell Burnell, Ed. Fundação Calouste Gulbenkian, p.65



28/06/10

Só à laranja e aos gregos...

Só à laranja e aos gregos é concedida 
uma salvação circular. Esquecer
para melhor saber, odiar
para melhor amar, eis os dois princípios
da sua paciência mais avançada.
E só os gregos podem pisar essas lajes
ameaçadas. Nós, os romanos,
sua herança encalhamos nos ramos das árvores
como precisamos do telefone, dos sinais de trânsito,
do computador, do cimento armado, do plástico,
do robot
para estudarmos o clima e entrarmos na sabedoria
dos arvoredos onde estamos ocultos.
(...)

 Luís Filipe Rodrigues, dizer de véspera, Círculo da poesia - Morais Editores, p.22.

25 de Abril

Na manhã da revolução - céu cinzento, dia a ameaçar chuva - não fui trabalhar, como toda a gente. Uma revolução é para isso: para dar feriad...