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26/05/11

Depois da noite

Olhos de maio rios muito claros
trazendo soltos seixos de um cinzento
que em breve se mistura de silêncio
brando. É tarde pra movê-los

do meu rosto ao teu que trouxe dedos
desprendê-lo da minha boca ébria
que a dizer-te se liberta a pouco e pouco
esta alegria. Fosse haver

depois da noite um dia sucessivo
não feito mais do que se permitir
ser tudo para nós e não mover-se
nunca o sentimento de deixar-te

sendo completo porque não termina
todo o amor que fica por fazer. 

Alberto Soares, Escrito para a noite, INCM, p.44



08/03/11

Fio

Não começou ainda mas fustiga
já as veias a negra primavera:

o ar do meio de março outra vez liga
o coração à pele como na espera

do que já não virá, mesmo que diga
o contrário o vão eco de outra era

Pele, espelho do sol, dele te abriga
de noite a luz do céu que recupera

o brilho dos altos tectos diluídos
na infância e nos sonhos, os sentidos
tornando mais selvagens: o espesso

calor do ar de março engrossa o rio
interior do sangue, oculto fio
do passado com que o futuro meço

Gastão Cruz, Escarpas, Assírio & Alvim, p.38




Para MR, com amizade.

18/01/11

Amar

Não é de amor que careço.

Sofro apenas
da memória de ter amado.

O que mais me dói,
porém,
é a condenação
de um verbo sem futuro.

Amar.

Mia Couto, Idades Cidades Divindades, Caminho, p.74


06/10/10

Morrer por escrito

Não sei quem foi que disse que um diário equivale a um lento suicídio. Eu não estou a escrever um diário. Estou a passar para o papel recordações de tempos idos, ocasionalmente misturadas com impressões que vão surgindo. Sinto-me, no entanto, morrer aos poucos nestas linhas. O querer dizer o que se passa em nós, analisarmo-nos por escrito, ainda que a sós connosco, é devastador. Mas talvez eu já esteja mesmo morta. Quem fala é aquela parte de fora de mim sempre atenta à de dentro e a explorá-la, um atroz, um falso eu que tive de inventar para não desistir.

Maria Ondina Braga, Estátua de Sal, ed. refundida e ampliada, Círculo dos Leitores, p.81


Arvo Part, Spiegel im Spiegel; Pierart Natacha, coreografia e dança

01/06/10

Irmão vento

Um vento novo sucedeu rompendo
por dentro a procurar-nos um do outro.

Alberto Soares, Escrito para a noite, INCM, p.31.



25 de Abril

Na manhã da revolução - céu cinzento, dia a ameaçar chuva - não fui trabalhar, como toda a gente. Uma revolução é para isso: para dar feriad...