14/03/25

Alexis de Tocqueville - Cadernos de viagem

 


«[S]i je vais plus loin encore, et que, parmi ces traits divers, je cherche le principal et celui qui peut résumer presque touts les autres, je découvre que, dans la plupart des opérations de l'esprit, chaque Américain n'en appelle qu'à l'effort individuel de sa raison. L'Amérique est donc l'un des pays du monde où l'on étudie le moins et où l'on suit le mieux les préceptes de Descartes. Cela ne doit pas surprendre.»

«Les passions qui agitent le plus profondément les Américains sont des passions commerciales et non des passions politiques, ou plutôt ils transportent dans la politique des habitudes du négoce. Ils aiment l'ordre, sans lequel les affaires ne sauraient prospérer, et ils prisent particulièrement la regularité des moeurs, qui fonde les bonnes maisons; ils préfèrent le bons sens qui crée les grandes fortunes au génie que souvent les dissipe; les idées générales effraient leurs esprits accoutumés aux calculs positifs, et parmi eux, la pratique est plus en honneurs que la théorie.»

«Ce n'est pas qu'aux États-Unis comme ailleurs il n'y ait des riches; je ne connais même pas de pays où l'amour de l'argent tienne une plus large place dans le coeur de l'homme et où l'on professe um mépris plus profond pour la théorie de l'égalité permanente des biens. Mais la fortune y circule avec une incroyable rapidité, et l'expérience apprend qu'il est rare de voir deux générations en recueillir les faveurs.» 

Nicolas Baverez, "Le Monde selon Tocqueville - Combats pour la liberté", Éditions Tallandier, 2021, p.82-83  

      

09/03/25

A «Planície Selvagem»


«A Fronteira Militar Habsburgo [séc. XVI], que tinha começado nas zonas eslavas e croata, fazia parte de uma fronteira que se estendia através da Hungria e até à Transilvânia. No caminho, atravessava a Planíce Húngara, onde comunidades privilegiadas de guardadores de gado ou "heyducks" (...) cumpriam as funções de pastores e guardas fronteiriços ao mesmo tempo. Contudo, a fronteira otomana na Europa Central era ainda mais extensa. Dava a volta à Transilvânia e aos principados romenos vizinhos da Valáquia e da Moldávia, que, tal como a Transilvânia, eram Estados vassalos dos otomanos, seguindo depois para leste, para dentro da estepe a norte do mar Negro. Ao longo de milhares de quilómetros, a fronteira otomana na Europa Central percorria a orla da Polónia e da Lituânia, até se extinguir a leste de Kyiv, para lá dos troços inferiores do rio Dniepre.

Enquanto a fronteira entre a Hungria e a Croácia dos Habsburgos e o Império Otomano estava assinalada por uma densa linha de fortificações, não havia nada semelhante no lado polaco e lituano. Havia fortalezas em pontos estratégicos em travessias de rios. Contudo, à semelhança de Kamianets-Podilskyu, acima do desfiladeiro de Smortrych, e de Khotyn, no Dniestre (ambos actualmente na Ucrânia), eram muitas vezes de conceção desordenada e pouco sofisticada, com muralhas altas de pedra, que se tornavam vulneráveis ao fogo de artilharia.(...)

Os turcos otomanos, os seus aliados tártaros da Crimeia e os soberanos da Polónia e da Lituânia confrontavam-se agora entre si na estepe a norte do mar Negro. Depois de alguma negociação, em finais da década de 1530, em torno da fixação de uma fronteira, os lados rivais desistiram, admitindo que, pelo contrário, haveria um espaço aberto, de quase mil quilómetros de largo, onde ninguém governaria oficialmente. Os turcos chamavam a este espaço "terra desolada", mas para os polacos e lituanos era a "Planície Selvagem" (dzikie pola). De acordo com um relato coevo, só a faixa de terra entre os últimos bastiões lituanos em Bratslav e Cherkasy e a costa do mar Negro perfazia seis dias de viagem, atravessando uma infidável pradaria que não era interrompida por florestas, pântanos ou colinas. (...)

(...) Apesar de tanto a Polónia como os khans da Crimeia estarem frequentemente em paz, tendo na Rússia um inimigo comum, era constante a passagem de flibusteiros tártaros e de grupos de assalto pela "Planície Selvagem".(...)

(...) a "Planície Selvagem também tinha a sua própria população. No século XV, os seus povos eram sobretudo pastores tártaros, mas a que posteriormente se acrescentaram agricultores vindos da Polónia e da Lituânia, mercadores que queriam evitar impostos e pescadores e guardadores de gado que operavam também como guerreiros e mercenários. As pessoas da planície viviam sobretudo em vilas fortificadas ou em grandes campos chamados sichi, mas quando era seguro desciam o rio Dniepre para caçar martas, apanhar esturjões e recolher favos de mel. O banditismo era um biscate lucrativo e os comboios de comerciantes expostos rendiam ricas safras. Um visitante relatou as humildes cabanas que encontrou na Planície Selvagem, mas registou que, no interior, estavam repletas de "sedas dispendiosas, pedras preciosas, peles de marta-zibelina e outras peles, e especiarias".

De finais do século XV em diante, os bandos armados que operavam na Planície Selvagem eram designados por cossacos, palavra derivada do túrquico qazaq, que significava "homem livre", mas era um termo impreciso, aplicando-se amiúde a qualquer pessoa que vivesse nestes espaços abertos da estepe. Durante o século XVI, o número de cossacos aumentou com um novo influxo de camponeses, que começaram a arar as terras que de resto estavam vazias e por cultivar. De acordo com um observador lituano, vieram "numa grande onda até ao Dniepre e seus afluentes; há aí pequenas cidades populosas e muitas aldeias, onde eles nadam, velejam, pescam e caçam desde a infância. Muitos deles fogem dos pais, da servidão e do trabalho árduo, ou do castigo e dos grilhões de ferro".(...)

Os cossacos eram um problema para todos os seus vizinhos. Não apenas atacavam comboios de transporte de mercadorias na estepe, como também faziam assaltos em territórios tão longíquos como a Transilvânia e a Hungria. Os cossacos tinham a sua própria frota de chaikas, ou "gaivotas", que atacavam embarcações comerciais no mar Negro e em portos costeiros, alcançando inclusivamente os subúrbios de Istambul. (...) Contudo, os cossacos também podiam ser úteis. Com uma poderosa infantaria de mosqueteiros e fortificações móveis de madeira, bloqueavam o avanço de exércitos sobre a Polónia e a Lituânia vindos do sul. Acresce ainda que os cossacos providenciavam uma reserva de combatentes que os reis da Polónia podiam colocar em toda a Europa Central e usar nas suas guerras contra a Rússia..(...)

(...) comunidades livres de cossacos viviam nas zonas mais remotas da Planície Selvagem, com grande destaque para o Sichs de Zaporíjia, que significa "campo abaixo dos rápidos", neste caso do rio Dniepre. Apesar de ficarem tecnicamente situados na província de Kyiv da Polónia, os cossacos de Zaporíjia eram uma comunidade com governo autónomo ou uma república cossaca, com uma população de cerca de cem mil pessoas, que sustentava uma elite militar. Embora a autoridade pertencesse nominalmente a um conselho cossaco, o comandante supremo era quem detinha mais poder, mas apenas enquanto mantivesse a confiança dos seus guerreiros. O governo cossaco do Baixo Dniepre era, nas palavras de um historiador, "uma ditadura temperada por intervenção da populaça". (...)

(...) [Bohdan] Khmelnytsky [o hetman dos cossacos de Zaporíjia] visava estabelecer um hermanato semi-independente na Ucrânia oriental (...). Contudo, em 1651, o rei polaco derrotou as suas forças em Berestechko, no que foi provavelmente a maior batalha terrestre na Europa do século XVII. Três anos depois, Khmelnytsky voltou-se para a Rússia, colocando os cossacos à disposição do czar, em troca de Moscovo pagar a subsistência de sessenta mil cossacos, pertencentes ao Sich de Zaporíjia. Deste momento em diante, os czares trataram Kyiv e toda a margem esquerda do Dniepre como se lhes pertencesse, acrescentando então ao título de Czar de Toda a Rússia as palavras "e da Pequena Rússia", sendo este o nome que devam à Ucrânia. O Tratado de Andrusovo, de 1667, entre a Polónia e a Rússia consolidou o controlo russo de Kyiv e de uma grande parte da Ucrânia oriental.»

Martyn Rady, «Uma Nova História da Europa Central - Os Reinos do Meio", Bertrand Editora, p. 260-268                      

Erbarme dich, mein Gott