(...) E porem me parece este nome de ssuydade tam proprio, que o latym nem outro linguagem que eu saibha nom he pera tal sentido semelhante. De sse aver alguas vezes com prazer, e outras com nojo ou tristeza, esto se faz, segundo me parece, por quanto suydade propriamente he sentydo que o coraçom filha por se achar partydo da presença dalgua pessoa, ou pessoas que muyto per afeiçom ama, ou o espera cedo de sseer. E esso medês dos tempos e lugares em que per deleitaçom muyto folgou. Dygo afeiçom e deleitaçom, por que som sentymentos que ao coraçom perteencem, donde verdadeiramente nace a ssuydade mais que da rrazom nem do siso. E quando nos vem algua nembrança dalguu tempo em que muyto folgamos, nom geeral, mas que traga ryjo sentydo, e por conhecermos o estado em que somos seer tanto melhor, nom desejamos tornar a el por leixar o que possuymos, tal lembramento nos faz prazer. E a mingua do desejo per juyzo determynado da rrazom nos tira tanto aquel sentydo , que faz a ssuydade, que mais sentymos a folgança por nos nembrar o que passamos, que a pena da myngua do tempo ou pessoa. E aquesta suydade he sentyda com prazer mais que com nojo nem trizteza.
D. Duarte, Leal Conselheiro,
in História e Antologia da Literatura Portuguesa, séculos XIII-XV, vol.I, FCG - Serviço de Ed. e Bolsas,p.487
in memoriam de Francisco Ribeiro
Este belíssimo excerto de um rei que me é extremamente simpático quer pelo seu "razoar", quer por ser avô de D.JoãoII,que c.a. associou ao vídeo, deixou-me a mastigar as meninges...:)
ResponderEliminarMas depois deixei-me ir bem e encantado. E até me lembrei de Sena ("arte de música"):
"Da música ao sentido, que palavra
preenche o vácuo de silêncio entre este
fluir contínuo de timbrados ritmos
e o que desperta em nós de não sonhada vida?..."
O trecho é muito bonito!
ResponderEliminarOs Madredeus é um projecto que gosto sobremaneira.
...É lamentável quando a vida se perde com dor e precocemente se esfuma.
Partilho inteiramente o seu sentimento, APS, relativamente a D. Duarte e ao "razoar" dele, que aprecio muitíssimo, desde miúdo (pode parecer estranho, mas é rigorosamente verdadeiro). Acontece que o Francisco Ribeiro era, a meu ver, quem melhor conseguia incorporar a intemporalidade na música dos Madredeus, por ser aquele que, de forma mais genuína (talvez, até, atávica) chegava às nossas raízes melódicas ancestrais. Há uma outra música dele, de que também gosto muito, onde este aspecto me parece igualmente visível. Esta: http://www.youtube.com/watch?v=SmnAl2oLS10
ResponderEliminarFoi em razão disto que me lembrei da associação entre texto e música, arriscada, talvez, mas eu gosto de misturar o velho e o novo, o passado e o presente. Talvez seja a minha maneira de desafiar o tempo...
Viva, Ana. Ainda bem que gostou.