Saudade

A Viagem Definitiva

...E eu irei. E ficarão os pássaros
cantando;
ficará o quintal, com sua verde árvore
e seu poço branco.

Todas as tardes o céu será azul, tranquilo;
e tocarão, como esta tarde tocam
os sinos no campanário.

Morrerão aqueles que me amaram
e a terra será nova cada ano;
e naquele meu canteiro florido e caiado
o meu espírito há-de pairar nostálgico...

E eu irei; estarei só, sem lugar, sem árvore
verde, sem o poço branco,
nem céu azul e plácido...
E os pássaros ficarão cantando.

Juan Ramón Jimenez, Poemas agrestes, 1910-1911, trad. Alberto Soares

Indecentemente surripiado ao Arpose, alegando como causa exculpativa os muitos dias de saudade da poesia, que me consome...


6 comentários:

  1. Há "roubos", c.a., que vem por bem.
    Só ao (re-)ler o poema de J.R.J. "noutro lugar" me dei conta do que ele tem de semelhante com o do Davífen (não me pergunte porquê), que começa:
    "Haverá um Natal e será o primeiro/
    em que se veja à mesa o meu lugar vazio" (...)
    e acaba:
    "Há-de vir um Natal e será o primeiro/
    em que o Nada retome a cor do Infinito."
    Também gostei da associação, que fez, com os Madredeus.
    Está perdoado,c.a.! :-)

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  2. Eu também me parece que foi muito bem "surripiado". Gostei de o reler.

    APS,
    Não me lembrei do David, mas, quando li o seu comentário, veio-me à memória «Olha, Daisy: quando eu morrer...». A sua associação parece-me mais óbvia. :)

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  3. Do Pessoa. Bem observado, MR. É um dos poemas que mais gosto, do nosso Fernando. Que acaba, se não me engano: "...raios partam a vida/ e quem lá ande! (?)".

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  4. «Olha, Daisy, quando eu morrer tu hás-de
    Dizer aos meus amigos ai de Londres,
    Que embora não o sintas, tu escondes
    A grande dor da minha morte. Irás de

    Londres p’ra York, onde nasceste (dizes —
    Que eu nada que tu digas acredito...)
    Contar àquele pobre rapazito
    Que me deu tantas horas tão felizes

    (Embora não o saibas) que morri.
    Mesmo ele, a quem eu tanto julguei amar,
    Nada se importará. Depois vai dar

    A notícia a essa estranha Cecily
    Que acreditava que eu seria grande...
    Raios partam a vida e quem lá ande!...»

    (A bordo do navio em que embarcou para o Oriente; uns quatro meses antes do Opiário, portanto) Dezembro 1913

    http://arquivopessoa.net/textos/4390

    "Raios partam a vida e quem lá ande!...", é isso. Bem visto, MR!

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