Mostrar mensagens com a etiqueta Albert Camus. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Albert Camus. Mostrar todas as mensagens

14/02/11

«Vive como se...»


A vida é curta e é pecado perder o seu tempo. Sou activo, diz-se. Mas ser activo é ainda perder o seu tempo, na medida em que nos perdemos. Hoje é um descanso e o meu coração parte ao encontro de si próprio. Se uma angústia ainda me estreia, é a de sentir este impalpável instante escorregar-me por entre os dedos como as gotas do mercúrio. Deixai, pois, aqueles que querem voltar as costas ao mundo. (...) Posso dizer, e direi daqui a pouco, que o que conta é ser humano e simples. Não, o que conta é ser verdadeiro e então, tudo aí se inclui, a humanidade e a simplicidade. E quando posso eu ser mais verdadeiro do que quando sou eu o mundo? Sou satisfeito antes de ter desejado. A eternidade está ali e eu esperava-a. Já não é ser feliz o que eu desejo agora, mas apenas ser consciente.
Um homem contempla e o outro cava o seu túmulo: como distingui-los? Os homens e o seu absurdo? Mas aqui está o sorriso do céu. A luz aumenta e breve será o Verão? Mas aqui estão os olhos e as vozes daqueles que é preciso amar. Estou preso ao mundo por todos os meus gestos, aos homens por toda a minha piedade e o meu reconhecimento. Entre este direito e este avesso do mundo, eu não quero escolher, não gosto que se escolha. As pessoas não querem que se seja lúcido e irónico. Eles dizem: «Isso mostra que não és bom.» Não vejo a relação. Decerto oiço dizer a uma delas que é imoralista, traduzo que ela tem necessidade de atribuir-se uma moral; a outra que despreza a inteligência, compreendo que ela não pode suportar as suas dúvidas. Mas porque eu não gosto que se faça batota. A grande coragem é ainda a de ter os olhos abertos para a luz como para a morte. Além disso, como explicar a ligação que leva deste amor devorador à vida a este desespero oculto? Se escuto a ironia escondida no fundo das coisas, ela descobre-se lentamente. Piscando o olho pequeno e claro: «Vive como se...», diz ela. Apesar de muitas pesquisas, aqui está toda a minha ciência.

Albert Camus, O avesso e o direito, Editora Livros do Brasil, p.75-76.

16/01/11

A utilidade do poder - 1

 


SCIPION
Ce n'est pas possible, Caius!

CALIGULA
Justement!

SCIPION
Je ne te comprends pas.

CALIGULA
Justement! il s'agit de ce que n'est pas possible, ou plutôt il s'agit de rendre possible ce qui ne l'est pas.

SCIPION
Mais c'est un jeu qui n'a pas de limites. C'est la récréation d'un fou.

CALIGULA
Non, Scipion, c'est la vertu d'un empereur. Je viens de comprendre enfin l'utilité du pouvoir. Il donne ses chances à l'impossible. Aujourd'hui, et pour tout le temps qui va venir, la liberté n'a plus de frontières.

CAESONIA
Je ne sais pas s'il faut s'en réjouir, Caius.

CALIGULA
Je ne le sais pas non plus. Mais je suppose qu'il faut en vivre.

Albert Camus, Caligula, Gallimard - folio, p.36

27/03/10

Eva



Depois de me ter debatido, depois de ter esgotado os meus grandes ares de insolência, desanimado com a inutilidade dos meus esforços, decidi abandonar o convívio dos homens. Não, não procurei ilhas desertas, já não há. Refugiei-me unicamente junto das mulheres. Bem sabe, elas não condenam verdadeiramente nenhuma fraqueza: tentariam de preferência humilhar ou abater as nossas forças. Eis por que a mulher é a recompensa, não do guerreiro, mas do criminoso. É o seu porto de enseada, é no leito da mulher que ele é geralmente detido. Não será ela tudo o que nos resta do paraíso terrestre?

Albert Camus, A Queda, Editora Livros do Brasil, p.78

14/03/10

O gosto da verdade


Sobretudo não acredite nos seus amigos quando lhe pedirem que seja sincero para com eles. Esperam apenas que os mantenha na boa ideia que fazem de si próprios, fornecendo-lhes uma certeza suplementar que extrairão da sua promessa de sinceridade. Como é que a sinceridade poderá ser uma condição da amizade? O gosto da verdade a todo o custo é uma paixão que nada poupa e a que nada resiste. É um vício, por vezes um conforto ou um egoísmo.

Albert Camus, A Queda, Editora Livros do Brasil, p.65

25/02/10

O papagaio do pensamento

«Note-se que aquele que escreve, por um circunlóquio próprio, posição, atitude (e estou fazendo gestos, hem! virando as mãos para o peito... escapa-se-me a palavra), atitude expectante, recolhida ou de rodeio, raro aborda de pronto o tema escolhido, que andou ruminando, com mais ou menos consciência. E porquê? Suponho que pelo receio de errar, de se exceder, de dizer o que não quer, que apenas suspeita.
A sua atitude, que apontei, é toda de tentação e de esquivança, de flutuação. E por isso muitas vezes fala de alhos pensando em bugalhos.
Outro problema, se problema é, e se no primeiro não está implícito, se põe a quem escreve. A quem escreve que é como quem diz: a quem trabalha da pena e se entretém gastando o espírito, excitando-o e refreando-o ao mesmo tempo em cogitações literárias. E é o modo de surpreender (de surpreender não digo bem, bem, de segurar) o próprio pensamento. Ou antes a dificuldade, a incerteza, a impotência de lançar o fio bastante para a subida do 'papagaio do pensamento', papagaio que há-de arrancar de baixo por efeito de um sopro mais raro que o vento, sendo ele mais frágil que papel de seda.
O sopro de arrancada e depois o fio a largar, são... que são? dificuldades e incógnitas, fora de dúvida, sempre propostos ao manejador da pena.
Tanto assim que se lê um bocado de prosa, como este de Camus, prosa eivada de poesia, mas quase levada à mão, medida, tensa, e sente-se a cautela do seu autor, dirigindo-a. Isto é, a porção de fio lançado e a resistência da mão sustentando-o.»

[Irene Lisboa, «Solidão II»,  Editorial Presença, p.114-115]

21/02/10

A queda

«O sentimento do direito, a satisfação de ter razão, a alegria de nos estimarmos a nós próprios, são, caro senhor, molas poderosas para nos suster de pé ou nos fazer avançar. Pelo contrário, privar disso os homens é transformá-los em cães raivosos. Quantos crimes cometidos simplesmente porque o seu autor não podia suportar estar em erro! Conheci em tempos um industrial que tinha uma mulher perfeita, por todos admirada e que, no entanto, ele enganava. Este homem ficava literalmente raivoso ao descobrir-se culpado, na impossibilidade de receber ou de passar a si próprio uma certidão de virtude. Quanto mais a mulher se mostrava perfeita, mais ele se enraivecia. Finalmente, o seu erro tornou-se-lhe insuportável. Que pensa que fez então? Deixou de a enganar? Não. Matou-a.»   

[Albert Camus, «A Queda», Editora Livros do Brasil, p.18]

14/02/10

Narcissus

 


«Bem entendido, o verdadeiro amor é excepcional, dois ou três em cada século, mais ou menos. O resto do tempo, há a vaidade ou o tédio. Quanto a mim, em todo o caso, eu não era a religiosa portuguesa. Não tenho o coração seco, loge disso, mas pelo contrário, cheio de ternura, e, mais, estou sempre de lágrima ao canto do olho. Só que os meus impulsos sentimentais se dirigem sempre a mim e os meus enternecimentos a mim é que dizem respeito. É falso, no fim de contas, que eu nunca tenha amado.
Conto na minha vida um grande amor, de que fui sempre o objecto.» 

[Albert Camus, «A Queda», Editora Livros do Brasil, p.46]

04/02/10

A simpatia


«Nunca teve uma súbita necessidade de simpatia, de auxílio, de amizade? Sim, com certeza. Eu aprendi a contentar-me com a simpatia. Encontra-se mais facilmente e, depois, não nos impõe nenhum compromisso. "Creia na minha simpatia", no discurso interior, precede imediatamente "e agora ocupemo-nos de outra coisa". É um sentimento de presidente do Conselho: obtém-se muito barato depois das catástrofes. A amizade é menos simples. A sua aquisição é longa e difícil, mas, quando se obtém, já não há meio de nos desembaraçarmos dela, temos de lhe fazer frente.» 
 
[Albert Camus, «A Queda», Editora Livros do Brasil, p.27]

28/01/10

Citações




Pieter Brueghel the Elder, 1562 «Two Chained Monkeys»


«Quando se meditou muito sobre o homem, por ofício ou vocação, acontece-nos sentirmos nostalgia dos primatas. Esses, ao menos não têm segundas intenções».

[Albert Camus, «A Queda», Editora Livros do Brasil, p. 8]

04/01/10

L'eté invincible

«Depuis cinq jours que la pluie coulait sans trêve sur Alger, ele avait fini par mouiller la mer elle-même. Du haut d'un ciel qui semblait inépuisable, d'incessantes averses, visqueuses à force d'épaisseur, s'abattaient sur le golfe. Grise et molle comme une grande éponge, la mer se boursouflait dans la baie sans contours. Mais la surface des eaux semblait presque immobile sous la pluie fixe. De loin en loin seulement, un imperceptible et large mouvement soulevait audessus de la mer une vapeur trouble qui venait aborder au port, sous une ceinture de boulevards mouillés. La ville elle-même, tous ses murs blancs ruîsselants d'humidité, exhalait une autre buée qui venait à la rencontre de la première. De quelque côté qu'on se tournât alors, il semblait qu'on respirât de l'eau, l'air enfin se buvait.
Devant la mer noyée, je marchais, j'attendais, dans cette Alger de décembre qui restait pour moi la ville des étés. J'avais fui la nuit d'Europe, l'hiver des visages. Mais la ville des étés elle-même s'était vidée de ses rires et ne m'offrait que des dos ronds et luisants. Le soir, dans les cafés violemment éclairés où je me réfugiais, je lisais mon âge sur des visages que je reconnaissais sans pouvoir les nommer. Je savais seulement que ceux-là avaient été jeunes avec moi, et qu'ils ne l'étaient plus.
Je m'obstinais pourtant, sans trop savoir ce que j'attendais, sinon, peut-être le moment de retourner à Tipasa. (...) 
(...) Je pris à nouveau la route de Tipasa. 
Il n'est pas pour moi un seul de ses soixante-neuf kilomètres de route qui ne soit recouvert de souvenirs et de sensations. L'enfance violente, les rêveries adolescentes dans le ronronement du car, les matins, les filles fraîches, les plages, les jeunes muscles toujours à la pointe de leur effort, la légère angoisse du soir dans un coeur de seize ans, le désir de vivre, la gloire, et toujours le même ciel au long des années, intarissable de force et de lumière, insatiable lui-même, dévorante une à une, des mois durant, les victimes offertes en croix sur la plage, à l'heure funèbre de midi. Toujours la même mer aussi, presque impalpable dans le matin, que je retrouvai au bout de l'horizon dès que la route, quittant le Sahel et ses collines aux vignes couleur de bronze, s'abaissa vers la côte. (...)
À midi sur les pentes à demi sableuses et couverts d'héliotropes comme d'une écume qu'auraient laissée en se retirant les vagues furieuses des derniers jours, je regardais la mer que, à cette heure, se soulevait à peine d'un mouvement épuisé et je rassasiais les deux soifs qu'on ne peut tromper longtemps sans que l'être se dessèche, je veux dire aimer et admirer. Car il y a seulement de la malchance à n'être pas aimé: il y a du malheur à ne point aimer. Nous tous, aujourd'hui, mourons de ce malheur. C'est que le sang, les haines décharnent le coeur lui-même; la longue revendication de la justice épuise l'amour qui pourtant lui a donné naissance. Dans la clameur où nous vivons, l'amour est impossible et la justice ne suffit pas. C'est pourquoi l'Europe hait le jour et ne sait qu'opposer l'injustice à elle-même. Mais pour empêcher que la justice se racornisse, beau fruit orange qui ne contient qu'une pulpe amère et sèche, je redécouvrais à Tipasa qu'il fallait garder intactes en soi une fraîcheur, une source de joie, aimer le jour qui échappe à l'injustice, et retourner au combat avec cette lumière conquise. Je retrouvais ici l'ancienne beauté, un ciel jeune, et je mesurais ma chance, comprenant enfin que dans les pires années de notre folie le souvenir de ce ciel ne m'avait jamais quitté. C'était lui qui pour finir m'avait empêché de désespérer. Jávais toujours su que les ruines de Tipasa étaient plus jeunes que nos chantiers ou nos décombres. Le monde y recommençait tous les jours dans une lumière toujours neuve. O lumière! c'est le cri de tous les personnages placés, dans le drame antique, devant leur destin. Ce recours dernier était aussi le nôtre et je le savais maintenant. Au milieu de l'hiver, j'apprenais enfin qu'il y avait en moi un été invincible.»          

[Albert Camus, «L'été - Retour à Tipasa», Gallimard, p.99 - 109]

Pantha rei

  Nenhum homem consegue banhar-se duas vezes no mesmo rio .  Porque não é o mesmo homem, nem é o mesmo rio. Tudo flui.    Heraclito, em vers...