31/12/09

Lear



KING LEAR
So young, and so untender?
CORDELIA
So young, my lord, and true.
KING LEAR
Let it be so; thy truth, then, be thy dower
(...)

William Shakespeare

28/12/09

Oliveretto de Fermo

Foi valente, foi formoso e artista.
Inspirou amor, terror e respeito.

Ao pintá-lo todo nu gladiando,
gloriou seu pincel Tintoretto.

Machiavelli nos conta sua história
de assassino elegante e discreto.

Em Sinigaglia o enforcou César Bórgia...
Deixou um quadro, um punhal e um soneto.


O tempo...

«O tempo, que às vezes confirma e outras desqualifica, foi desvanecendo em si o ressentimento exasperante que no princípio lhe suscitava a recordação dessa 'velha amizade' ou desse 'amor postergado'. Com o decorrer dos meses, do compêndio de sensações nefastas que o seu nome lhe produzia, apenas sobreviveu um sabor amargo. Depois, reconsiderando a questão, acrescentou que certos laços respiram por necessidade. Eram de maior valor as cartas que a consagração do encontro, e era mais importante o augúrio amoroso que a convertação real do vínculo.»

24/12/09

Onde estiver o corpo morto é que se juntam os abutres

«Alguns fariseus perguntaram a Jesus quando é que chegava o reino de Deus. "O reino de Deus não vem como uma coisa que se possa observar", respondeu-lhes. "Não se poderá dizer: Está aqui ou está acolá. Na verdade, o reino de Deus já está no vosso meio."
Depois disse aos discípulos: "Lá virá o tempo em que desejarão ver ao menos um só dos dias do Filho do Homem e não poderão. Alguns hão-de dizer-vos: 'Olha, está aqui', ou 'está acolá'. Mas não vão atrás desses boatos, porque o Filho do Homem virá no seu dia próprio como um relâmpago que ilumina o céu dum extremo ao outro. Mas primeiro tem ele que sofrer muito e ser rejeitado pelas pessoas deste tempo.
Tal como aconteceu no tempo de Noé, assim vai ser nos dias do Filho do Homem. Comiam, bebiam e casavam-se, até ao dia em que Noé entrou na arca. Depois veio o dilúvio e morreram todos. Assim aconteceu também no tempo de Lot: comiam, bebiam, compravam, vendiam, plantavam e construíam. Mas no dia em que Lot saiu de Sodoma, caíu do céu fogo e enxofre sobre a cidade e morreram todos. Assim sucederá no dia em que o Filho do Homem aparecer.
Nesse dia, quem estiver no terraço não desça a casa para tirar de lá seja o que for, e se estiver no campo não volte para trás. Lembrem-se da mulher de Lot! Aquele que quiser salvar a vida perde-a e o que a perder, salva-a. Digo-vos que nessa noite estarão duas pessoas na mesma cama: uma será levada e a outra fica. Duas mulheres estarão juntas a moer farinha: uma será levada e a outra fica. Dois homens estarão no campo: um será levado e o outro fica.
" Nessa altura os discípulos perguntaram-lhe: "E onde vai ser isso, Senhor? "Onde estiver o corpo morto" replicou ele, "é que se juntam os abutres".» LUCAS 17,16-18,3

23/12/09

Foi uma tristeza...

«Foi uma tristeza nova a que ontem me visitou na casa de chá, no meio das minhas amigas macaenses. Estava connosco um moço que tinha graça, e ríamos. Falou-se de jogo, de dança, de papagaios. Nas outras mesas, mulheres e homens metropolitanos, macaístas, um ou outro chinês. No ar, música suave. A tarde tombava.
E eu a meditar na minha tristeza. Fazia o seu exame enquanto contava do papagaio da costureira em Luanda, a receber as senhoras à porta: «Entra, meu bem, estás bonita!... Que material!» Os companheiros da mesa acharam engraçado, puseram-se a repetir o palrar do pássaro.
A minha tristeza passava a fronteira envidraçada do salão, seguindo rua além, e, atrás dela, qual vestido de cauda, um rasto de desolação.
Sinto-me agora frequentemente cínica, egoistamente triste, mas ontem foi diferente - um sentimento calmo e fundo, tão fundo que fiquei abismada diante dele, tão calmo que me vi a aceitá-lo, humilde, como o lavrador aceita a seca ou a monção.
A minha tristeza enchia a sala, o largo lá fora, o próprio céu; pousava-se em todas as coisas; era tudo. Desistir de mim, ceder, entregar-me a ela, parecia a única solução. Não sei explicar, tratava-se de um grande problema. Não era só eu, o mundo inteiro. Um acontecimento inevitável, igual à morte.
Acreditei que todas aquelas pessoas estavam tristes comigo, sem mesmo o saberem - gente que ria e que contava histórias de papagaios. O próprio Deus, longe ou perto, tinha de ser um Deus triste. Cheguei a ver um halo de tristeza aureolando a cabeça de cada um, e todas as nuncas vergarem ao peso da fatal eleição.
As horas corriam. A noite fechou-se. Despedimo-nos.
Já na rua, ao dobrar da esquina, um homem embargou-me o passo.
Era novo, esguio, de olhos cinzentos. Vi-lhe a cor dos olhos quando acendeu o isqueiro para o cigarro, e vi, no escuro, a chama trémula dar-lhe às pupilas claras tons de pérola. Falou, mas as palavras não lhas fixei. Guardei, sim, esta cena: a minha tristeza a abraçá-lo, longa, carinhosamente, do jeito que os homens gostam de ser abraçados.
Não sei o tempo que durou aquilo, nem me lembro de mais nada. Só sei que, ao atravessar a rua para entrar em casa, o brilho dos olhos de pérola se repetia nas pedras da calçada, à luz da lua

[ Maria Ondina Braga, «Estátua de Sal», Ulmeiro, p.36-37]    

22/12/09

Paradoxo

«Dizes então que vais fazer do Certo o teu mestre e livrar-te do Errado, ou fazer da Ordem o teu mestre e livrar-te da Desordem? Se o fizeres, então não percebeste (...). É impossível, obviamente». Chuang Tsu

«Se eu disser que se comportam como partículas estou a dar uma impressão errada; o mesmo se disser que se comportam como ondas. Elas comportam-se de forma própria e inimitável, no que poderíamos chamar, tecnicamente, uma forma mecânica quântica. Comportam-se de uma maneira que é algo nunca antes visto». Richard P. Feynman

[in «Einstein e Buda - palavras comuns», editor Thomas J.Mcfarlane, estrela polar, p.71]

21/12/09

Receita para fazer um herói

Tome-se um homem
Feito de nada, como nós,
E em tamanho natural.
Embeba-se-lhe a carne,
Lentamente,
Duma certeza aguda, irracional,
Intensa como o ódio ou como a fome.
Depois, perto do fim,
Agite-se um pendão
E toque-se um clarim.

Serve-se morto.


[Reinaldo Ferreira, «Nunca Mais é Sábado - Antologia de Poesia Moçambicana», org. e prefácio de Nelson Saúte, Dom Quixote, p.119]

17/12/09

Talvez...

«Talvez eu pudesse ter dado a quem nos lê um excerto do teu passado mas não o fiz, como uma fotografia que se retira da sala porque o fotografado morreu ou deixou de existir no nosso coração e ele nota que o mataram porque deixou de estar ali e matamo-lo assim mesmo aos olhos de quem estiver e ele que veja porque os mortos não têm olhos para ver que os mataram, a minha fotografia estava ali e já não está e eu finjo que não dói fazendo de conta que não vi e estavam tão contentes quando disseram «olha, querido, tu ali!» e eu tão feliz.
Mas não te dei, Manuela, e és agora uma sombra, ténue, inerte, pouco mais és, Manuela, enquanto personagem deste livro que a tua função, não tens mais biografia do que o que fazes como sobrevivência e este acanhado lugar onde a exerces, não há mais pessoa em ti do que o emprego, nem mais mulher porque não há ninguém para quem o ser».

Lembro-me de ti...

  Lembro-me de ti... Na escuridão profunda da memória, o teu olhar ilumina a estrada percorrida na história da minha vida. E sinto, em mim, ...