04/11/10
03/11/10
Estados mentais
"TEOREMA DE HEISENBERG": Fórmula da mecânica quântica segundo a qual a variância (dispersão em torno da média) da posição de um electrão, ou de qualquer outra partícula quântica, é inversamente proporcional à variância da velocidade. Corolário: se a dispersão na posição diminui, a dispersão na velocidade aumenta e ao contrário. A fórmula é rigorosa e deriva de alguns dos axiomas da teoria, sem nenhuma referência a processos de medidas. Deve portanto ser válida universalmente sem nenhuma referência a condições de laboratório. Contudo, tem sido muitas vezes mal interpretada falando de perturbações causadas pelo aparelho de medida ou mesmo pelo observador. Também tem sido mal interpretada falando da incerteza do experimentador a respeito da posição exacta e da velocidade exacta da coisa medida – daí o nome popular de "princípio da incerteza". Esta interpretação é incorrecta por duas razões. Em primeiro lugar, a física não trata de estados mentais como a incerteza. Segundo, a referida interpretação pressupõe que os electrões ou os seus análogos têm sempre uma posição e uma velocidade exactas, como se fossem massas pontuais clássicas, com a diferença que não as podemos conhecer com precisão. Mas a teoria não faz essa suposição: não postula que os electrões e análogos são pontuais e que as suas propriedades têm valores precisos. Em mecânica quântica fala-se de partículas (ou ondas) de uma maneira analógica que é, por isso, enganadora. Uma vez que essas confusões estejam clarificadas, o teorema de Heisenberg perde qualquer interesse para a epistemologia, excepto como um exemplo das distorções de factos científicos que uma filosofia falsa pode originar. Retém , porém, interesse para a ontologia, lembrando-nos que os tijolos constituintes do universo não têm forma definida e são por isso indescritíveis de uma maneira geométrica".
01/11/10
Senhor
Senhor se da tua pura justiça
Nascem os monstros que em minha roda eu vejo
É porque alguém te venceu ou desviou
Em não sei que penumbra os teus caminhos
Foram talvez os anjos revoltados.
Muito tempo antes de eu ter vindo
Já se tinha a tua obra dividido
E em vão eu busco a tua face antiga
És sempre um deus que nunca tem um rosto
Por muito que eu te chame e te persiga.
Sophia de Mello Breyner Andresen, Obra Poética I, Círculo de Leitores, p.285
Patrick Delcroix, Cherché, trouvé, perdu, Cisne Negro Dance Company
31/10/10
Se isto é um homem
Vós que viveis tranquilos
Nas vossas casas aquecidas,
Vós que encontrais regressando à noite
Comida quente e rostos amigos:
Considerai se isto é um homem
Quem trabalha na lama
Quem não conhece a paz
Quem morre por um sim ou por um não.
Considerai se isto é uma mulher,
Sem cabelos e sem nome
Sem mais força para recordar
Vários os olhos e frio o regaço
Como uma rã no Inverno.
Meditai que isto aconteceu:
Recomendo-vos estas palavras.
Esculpi-as no vosso coração
Estando em casa andando pela rua,
Ao deitar-vos e ao levantar-vos;
Repeti-as aos vossos filhos.
Ou então que desmorone a vossa casa,
Que a doença vos entreve,
Que os vossos filhos vos virem a cara.
Nas vossas casas aquecidas,
Vós que encontrais regressando à noite
Comida quente e rostos amigos:
Considerai se isto é um homem
Quem trabalha na lama
Quem não conhece a paz
Quem morre por um sim ou por um não.
Considerai se isto é uma mulher,
Sem cabelos e sem nome
Sem mais força para recordar
Vários os olhos e frio o regaço
Como uma rã no Inverno.
Meditai que isto aconteceu:
Recomendo-vos estas palavras.
Esculpi-as no vosso coração
Estando em casa andando pela rua,
Ao deitar-vos e ao levantar-vos;
Repeti-as aos vossos filhos.
Ou então que desmorone a vossa casa,
Que a doença vos entreve,
Que os vossos filhos vos virem a cara.
Primo Levi, Se isto é um Homem, Teorema, p.7
Franz Suchomel, entrevistado por Claude Lanzmann, em 1985.
28/10/10
20/10/10
Madrugada
Há que deixar no mundo as ervas e a tristeza,
e ao lume de águas o rancor da vida.
Levar connosco mortos o desejo
e o senso de existir que penentrando
além dos lodos sob as águas fundas
hão-de ser verdes como a velha esperança
nos prados da amargura já floridos.
Deixar no mundo as árvores erguidas,
e da tremente carne as vãs cavernas
aos outros destinadas e às montanhas
que a neve cobrirá de álgida ausência.
Levar connosco em ossos que resistam
não sabemos o quê da paz tranquila.
E ao lume de águas o rancor da vida
e ao lume de águas o rancor da vida.
Levar connosco mortos o desejo
e o senso de existir que penentrando
além dos lodos sob as águas fundas
hão-de ser verdes como a velha esperança
nos prados da amargura já floridos.
Deixar no mundo as árvores erguidas,
e da tremente carne as vãs cavernas
aos outros destinadas e às montanhas
que a neve cobrirá de álgida ausência.
Levar connosco em ossos que resistam
não sabemos o quê da paz tranquila.
E ao lume de águas o rancor da vida
Madrid, 4 de Setembro 72
Jorge de Sena, Versos e alguma prosa de,
prefácio e selecção de textos de Eugénio Lisboa,
Co-edição da arcádia e Moraes, p. 127
Oliver Stone, Platoon, 1986
13/10/10
Cantilena doce
Nonagésimo dia que não fosse
e como sê-lo ainda cantilena
doce nos ouvidos vento insone
ó maravilha sobreposta amena
por tanta cela amarga no regresso
de cada ramo tenro. Este arredio
pássaro preso de quantas breves sílabas
cortantes a moverem-se de exílio.
Ou na sombra repete como ver-te
concertina da noite quase cega
à minha voz e só para contigo
essa música nova que se abria
ó toda toda feita de sossego
por sobre o coração fundo e ferido.
e como sê-lo ainda cantilena
doce nos ouvidos vento insone
ó maravilha sobreposta amena
por tanta cela amarga no regresso
de cada ramo tenro. Este arredio
pássaro preso de quantas breves sílabas
cortantes a moverem-se de exílio.
Ou na sombra repete como ver-te
concertina da noite quase cega
à minha voz e só para contigo
essa música nova que se abria
ó toda toda feita de sossego
por sobre o coração fundo e ferido.
Alberto Soares, Escrito para a noite, INCM, p.41
06/10/10
Morrer por escrito
Não sei quem foi que disse que um diário equivale a um lento suicídio. Eu não estou a escrever um diário. Estou a passar para o papel recordações de tempos idos, ocasionalmente misturadas com impressões que vão surgindo. Sinto-me, no entanto, morrer aos poucos nestas linhas. O querer dizer o que se passa em nós, analisarmo-nos por escrito, ainda que a sós connosco, é devastador. Mas talvez eu já esteja mesmo morta. Quem fala é aquela parte de fora de mim sempre atenta à de dentro e a explorá-la, um atroz, um falso eu que tive de inventar para não desistir.
Maria Ondina Braga, Estátua de Sal, ed. refundida e ampliada, Círculo dos Leitores, p.81
Arvo Part, Spiegel im Spiegel; Pierart Natacha, coreografia e dança
05/10/10
Pruridos de nobreza
Eu não creio que a nossa Fidalguia
Procedesse d'Adão, que era um coitado;
Um paisano, que nunca andou calçado,
Um pobre, que de peles se vestia.
Não teve armas, brasões; nem possuía
Por prova de ser nobre algum Morgado;
O fôro nunca viu; nem foi tratado,
Como agora se faz, com Senhoria.
Eva inda foi pior, pois na Escritura
Se não trata de Dom, nem de Excelência.
Nem se diz se nas danças fez figura.
E assim venho a tirar por consequência,
Que estando hoje a nobreza em tanta altura
Não traz dele, nem dela a descendência.
Procedesse d'Adão, que era um coitado;
Um paisano, que nunca andou calçado,
Um pobre, que de peles se vestia.
Não teve armas, brasões; nem possuía
Por prova de ser nobre algum Morgado;
O fôro nunca viu; nem foi tratado,
Como agora se faz, com Senhoria.
Eva inda foi pior, pois na Escritura
Se não trata de Dom, nem de Excelência.
Nem se diz se nas danças fez figura.
E assim venho a tirar por consequência,
Que estando hoje a nobreza em tanta altura
Não traz dele, nem dela a descendência.
Paulino António Cabral, Poesias, Livraria Figueirinhas - Porto, p.100
04/10/10
Ah, diz-me a verdade acerca do amor
Há quem diga que o amor é um rapazinho,
E quem diga que ele é um pássaro;
Há quem diga que faz o mundo girar,
E quem diga que é um absurdo,
E quando perguntei ao meu vizinho,
Que tinha ar de quem sabia,
A sua mulher zangou-se mesmo muito,
E disse que não servia para nada.
Será parecido com uns pijamas,
Ou com o presunto num hotel de abstinência?
O seu odor faz lembrar o dos lamas,
Ou tem um cheiro agradável?
É aspero ao tacto como uma sebe espinhosa
Ou é fofo como um edredão de penas?
É cortante ou muito polido nos seus bordos?
Ah, diz-me a verdade acerca do amor.
(...)
W.H.Auden, Diz-me a verdade acerca do amor - dez poemas,
trad. de Maria de Lourdes Guimarães, Relógio D'Água, p.9
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