Acontece. Será sempre assim?
O meu espírito é um rochedo,
sem dedos para me segurar, sem voz;
é o meu Deus o pulmão de aço,
que me vem amar, que bombeia
os meus dois
sacos de pó, que oscilam para dentro e para fora,
e, assim, não me permite
recair
enquanto o dia lá fora desliza como uma fita perfurada.
A noite traz violetas,
tapeçarias de olhos,
luzes,
os serenos e anónimos
conversadores: "Estás bem?"
o peito engomado, inacessível.
Como um ovo morto, estou deitado
intacto
num intacto mundo que não posso tocar;
no branco, tenso
tambor do leito onde adormeço
fotografias visitam-me...
A minha mulher, morta e estendida, com as suas peles de 1920,
a boca cheia de pérolas,
duas raparigas,
estendidas como ela, que murmuram "Somos tuas filhas".
As águas paradas
envolvem-me os lábios,
os olhos, o nariz e os ouvidos,
um transparente
celofane que não consigo romper.
Apoiada nas minhas costas nuas
sorrio como um buda, todas
as necessidades, e desejos
caindo de mim como anéis
acariciando as suas luzes.
A garra
da magnólia,
embriagada pelo seu aroma,
nada pede à vida.
Sylvia Plath, Pela Água,
tradução de Maria de Lourdes Guimarães, Assírio & Alvim, p.47-48
Estranho poema (na exacta medida de Sylvia Plath),insólito vídeo. O primeiro ("transforma-se o amador na coisa amada")com referentes prováveis à morte do Pai - figura tutelar na poesia de S.P..O segundo (vídeo: dança e canção) que me faz lembrar um Magritte móvel, e agitado. Uma boa junção!,c.a..
ResponderEliminar... Conheço bem a expressão corporal do vídeo. Talvez seja insólito como diz APS (desculpe usar as suas palavras) mas não me é estranho.
ResponderEliminarMagnífico conjunto: a imagem e o poema. Sylvia Plath foi uma boa escolha.
... mas é tristemente denso!
Beleza.
Uma das memórias mais impressivas da minha infância é a memória das sestas, uma imposição de minha mãe até à idade em que fui para a escola. Duas horas à espera do lanche, deitado na cama, o quarto na penumbra, sem sono e sem nada poder fazer. Uma tortura... «Como um ovo morto, estou deitado/intacto/num intacto mundo que não posso tocar;/no branco, tenso/ tambor do leito onde adormeço/fotografias visitam-me...» Creio que foi este verso que ligou tudo na minha cabeça.
ResponderEliminarObrigado, APS. Tem razão, o vídeo faz lembrar um Magritte móvel, e agitado. Tinha-o «guardado» já há um tempo e agora, encontrei, finalmente, aquele que me pareceu ser o texto certo. Ainda bem que gostou.
Obrigado, Ana. Concordo consigo: o conjunto é estranhamente belo (ou de uma beleza estranha...)
É assim também no meu entender: um poema completa-se pela leitura (interpretação, acrescento) que cada um, dele, faz.
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