Tudo nos é limitado pela estupidez de tudo

«Mas o Penedos. Era um político, querida, não sei se sabes o que isso é. Eu também não sei, mas vou ver se descubro enquanto te vou explicando. É a pessoa de quem mais mal se diz, depois dos árbitros de futebol. E logo tu a pensares que é pela mesma razão. E eu também, mas não sei ainda bem se é. Quem o pensa são talvez os curtos de mente, que é o que eu sou por enquanto.O político tem a missão de promover o bem comum, pressupõe-se. Mas o bem comum tem sempre muitos degraus e portanto pouca comunidade. Pressupõe-se isso e depois tiram-se as conclusões, que metem quase sempre um bocado de pancadaria. A missão de um político parece óbvia, mas nada é óbvio na vida, Mónica, imaginas o que há de difícil mesmo na soma de 2+2? mas eu estava a falar-te do político. É um jogador, uma das formas mais altas de. Joga ao bem comum e às vezes a sorte sai-lhe. É a altura de lhe dizerem tudo os que não jogaram ou a quem não saiu. O bem comum tem a forma de uma ficha para jogar. E sofre tanto de solidão. É um bebedor solitário, bebe política ao canto da consciência. Não joga para ganhar, e que jogador é que joga? joga só para chatear o destino, o que joga nele é a inquietação de o chatear. Como no capitalista, no general, no artista, mas o político é um jogador infeliz porque é raro deixarem-no jogar a tempo inteiro. Mas que é que nós somos a tempo inteiro? Nem o comer nem o beber nem o fornicar e assim. Tudo nos é limitado pela estupidez de tudo e a vida é o tudo desse tudo. Muito estúpida, minha querida.» 

Vergílio Ferreira, «Em nome da terra», Quetzal, p.225 - 226 

7 comentários:

  1. Ele há coincidências dos diabos!...

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  2. Nunca li este livro de Vergílio Ferreira mas é um autor que gosto muito.
    Gosto da ironia deste trecho. O político é um jogador que não joga até ao fim... Achei graça a esta ideia.
    A vida é um jogo e é difícil de jogar! :)

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  3. A família Penedos. Ontem como hoje...

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  4. Venho trazer-lhe um Vergílio Ferreira diferente, mais sonhador:
    "Meu amigo:
    Escrevo-te para daqui a um século, cinco séculos, para daqui a mil anos... É quase certo que esta carta te não chegará às mãos ou que, chegando, a não lerás. Pouco importa. Escrevo pelo prazer de comunicar. Mas se sempre estimei a epistolografia, é porque é ela a forma de comunicação mais directa que suporta uma larga margem de silêncio; porque ela é a forma mais concreta de diálogo que não anula inteiramente o monólogo. Além disso, seduz-me o halo de aventura que rodeia uma carta: papel de acaso, redigido numa hora intervalar, um vento de acaso o leva pelos caminhos, o perde ou não aí, o atira ao cesto dos papéis e do olvido, ou o guarda entre os sinais da memória."
    Carta ao Futuro, Lisboa: Bertrand, 2003, p.98

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  5. De facto, como alguém já escreveu e li algures, «há algo de selvagem nas coincidências»... :-)

    Muito grato a todos!

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  6. C.A.,
    Desculpe esta invasão, bem como a de ter colocado um trecho do Vergílio Ferreira, tão fora do (con)texto que colocou mas é que a política é para mim um deserto.
    Os políticos não pensam no bem comum mas nos seus interesses e na ânsia de poder. O poder de se fazerem ouvir, e de se sentirem senhores do universo. A minha ideia de política é amarga, tenho alguns (não muitos) motivos para pensar assim. Desculpe a minha intervenção. Boa noite.

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  7. Cara Ana, não é caso para pedir desculpa. Não conhecia essa carta do Vergílio Ferreira. Obrigado pela referência.
    O «Em nome da terra» é um livro extraordinário, a todos os títulos notável. Se quiser ler mais veja, p.f., o que existe aqui na «Casa», na «etiqueta» relativa a este autor. Verá que o tema do livro não é a política, mas muito mais que isso. Se ainda não leu, leia. É um livro que recomendo vivamente.

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