21/01/10
Outro dia
Leio cinco versos.
Já os tinha lido, depressa,
a apanhar-lhes o espírito,
no ar.
Que versos!
Mal os entendi,
não os apreciei...
Leio-os agora mais devagar,
palavra a palavra...
Cada palavra,
ou duas,
ou três...
Sim, é isto...
Assim se pensa,
efectivamente,
depressa ou devagar,
por meios sentidos...
Cada palavra é um título,
E larga!
Tanto vale sendo verbo
como adjectivo...
E não há adjectivos banais,
nem de mau gosto,
há pensamentos...
coisas visíveis
ou invisíveis,
mostradas de repente.
Mas escapadiças...
É sempre preciso
um esforço novo,
inteligência
e sensibilidade
para as compreender...
'saisir!'
[Irene Lisboa, «um dia e outro dia... outono havias de vir», volume I, poesias I, Presença, p.272-273]
P.S.: Para AJS, com gratidão.
Já os tinha lido, depressa,
a apanhar-lhes o espírito,
no ar.
Que versos!
Mal os entendi,
não os apreciei...
Leio-os agora mais devagar,
palavra a palavra...
Cada palavra,
ou duas,
ou três...
Sim, é isto...
Assim se pensa,
efectivamente,
depressa ou devagar,
por meios sentidos...
Cada palavra é um título,
E larga!
Tanto vale sendo verbo
como adjectivo...
E não há adjectivos banais,
nem de mau gosto,
há pensamentos...
coisas visíveis
ou invisíveis,
mostradas de repente.
Mas escapadiças...
É sempre preciso
um esforço novo,
inteligência
e sensibilidade
para as compreender...
'saisir!'
[Irene Lisboa, «um dia e outro dia... outono havias de vir», volume I, poesias I, Presença, p.272-273]
P.S.: Para AJS, com gratidão.
Trabalhos
«Neste mundo, tudo tem a sua hora; cada coisa tem o seu tempo próprio.
Há o tempo de nascer e o tempo de morrer;
o tempo de plantar e o tempo de arrancar;
o tempo de matar e o tempo de curar;
o tempo de destruir e o tempo de construir;
o tempo de chorar e o tempo de rir;
o tempo de estar de luto e o tempo de dançar;
o tempo de atirar pedras e o tempo de as juntar;
o tempo de se abraçar e o tempo de se afastar;
o tempo de procurar e o tempo de perder;
o tempo de guardar e o tempo de deitar fora;
o tempo de rasgar e o tempo de coser;
o tempo de calar e o tempo de falar;
o tempo de amar e o tempo de odiar;
o tempo da guerra e o tempo da paz.
[Eclesiastes, 3,5 - 4,1, «a Bíblia para todos - edição literária», Círculo dos Leitores, p.1417-1418]
«Quando um homem medita nos objectos
dos sentidos, desperta o seu apego;
e, do apego, eis que nasce, então, o desejo;
e, do desejo, é que provém a ira;
e, da ira, provém sempre desilusão;
e, da desilusão, a perda de memória;
e, perdida a memória, esvai-se o intelecto;
e, sem o intelecto, eis que o homem perece.
Mas, se passar plo meio dos objectos
dos sentidos, com todos os seus sentidos livres
d'apego e d'ódio, mente submetida,
senhor de si, há-de ganhar a serenidade.
E, na serenidade, pra ele, não há
mais qualquer espécie d'infortúnio ou d'entrave,
porque, com a consciência em paz imensa,
esse mantém o intelecto inabalável.»
Há o tempo de nascer e o tempo de morrer;
o tempo de plantar e o tempo de arrancar;
o tempo de matar e o tempo de curar;
o tempo de destruir e o tempo de construir;
o tempo de chorar e o tempo de rir;
o tempo de estar de luto e o tempo de dançar;
o tempo de atirar pedras e o tempo de as juntar;
o tempo de se abraçar e o tempo de se afastar;
o tempo de procurar e o tempo de perder;
o tempo de guardar e o tempo de deitar fora;
o tempo de rasgar e o tempo de coser;
o tempo de calar e o tempo de falar;
o tempo de amar e o tempo de odiar;
o tempo da guerra e o tempo da paz.
Que resultado tira cada um dos seus próprios trabalhos e canseiras? Deus destinou aos homens uma tarefa bem pesada, que eles têm de suportar.»
[Eclesiastes, 3,5 - 4,1, «a Bíblia para todos - edição literária», Círculo dos Leitores, p.1417-1418]
«Quando um homem medita nos objectos
dos sentidos, desperta o seu apego;
e, do apego, eis que nasce, então, o desejo;
e, do desejo, é que provém a ira;
e, da ira, provém sempre desilusão;
e, da desilusão, a perda de memória;
e, perdida a memória, esvai-se o intelecto;
e, sem o intelecto, eis que o homem perece.
Mas, se passar plo meio dos objectos
dos sentidos, com todos os seus sentidos livres
d'apego e d'ódio, mente submetida,
senhor de si, há-de ganhar a serenidade.
E, na serenidade, pra ele, não há
mais qualquer espécie d'infortúnio ou d'entrave,
porque, com a consciência em paz imensa,
esse mantém o intelecto inabalável.»
[Vyassa, «Poema do Senhor Bhagavad-Guitá», transcrição, introdução, notas e glossário de António Barahona, Assírio e Alvim, p.89 ]
19/01/10
Jonas, o profeta foragido, em fuga à obediência
«O pequeno livro de Ionà/Jonas, só 48 versículos, é denso em acontecimentos e não desperdiça uma só palavra. Jonas, na sua língua de origem, o hebraico, é Ionà, que quer dizer pomba. É a mesma Ionà mandada por Noé da arca depois do dilúvio, mas é também o particípio presento do verbo ianà, oprimir. Entre estas duas palavras opostas se desenvolve a vida do profeta.»
Erri De Luca, "Caroço de Azeitona", Assírio & Alvim, p.71
Erri De Luca, "Caroço de Azeitona", Assírio & Alvim, p.71
18/01/10
Talvez me chame Jonas
Não sou ninguém:
um homem com um grito de estopa na garganta
e uma gota de asfalto na retina.
Não sou ninguém. Deixai-me dormir!
Mas às vezes ouço um vento de tormenta que me grita:
«Levanta-te, vai a Ninive, cidade grande, e brada contra ela.»
Não faço caso, fujo pelo mar e deito-me a dormir no canto mais escuro da nave,
até que o Vento teimoso que me segue
volte a gritar-me outra vez:
«Dorminhoco, que fazes aí? Levanta-te.»
-Não sou ninguém:
um cego que não sabe cantar. Deixai-me dormir!
E alguém, esse Vento que busca um funil de trasfega, diz junto mim, dando-me com o pé:
«Aqui está; farei um trombeta com este cone de metal velho e vazio;
por ele meterei minha palavra e encherei de vinho novo a velha cuba do mundo. Levanta-te!»
- Não sou ninguém. Deixai-me dormir!
Mas um dia lançaram-me ao abismo,
as águas amargas cercaram-me até à alma,
a ulva enredou-se na minha cabeça,
cheguei até às raízes dos montes,
a terra lançou sobre mim suas fechaduras para sempre...
(Para sempre?)
Quero dizer que estive no inferno...
De lá trago a minha palavra.
e não canto a destruição:
apoio a minha lira na crista mais alta deste símbolo...
Sou Jonas.
Léon Felipe, «Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea», selecção e tradução de José Bento, Assírio e Alvim, p.111-112
um homem com um grito de estopa na garganta
e uma gota de asfalto na retina.
Não sou ninguém. Deixai-me dormir!
Mas às vezes ouço um vento de tormenta que me grita:
«Levanta-te, vai a Ninive, cidade grande, e brada contra ela.»
Não faço caso, fujo pelo mar e deito-me a dormir no canto mais escuro da nave,
até que o Vento teimoso que me segue
volte a gritar-me outra vez:
«Dorminhoco, que fazes aí? Levanta-te.»
-Não sou ninguém:
um cego que não sabe cantar. Deixai-me dormir!
E alguém, esse Vento que busca um funil de trasfega, diz junto mim, dando-me com o pé:
«Aqui está; farei um trombeta com este cone de metal velho e vazio;
por ele meterei minha palavra e encherei de vinho novo a velha cuba do mundo. Levanta-te!»
- Não sou ninguém. Deixai-me dormir!
Mas um dia lançaram-me ao abismo,
as águas amargas cercaram-me até à alma,
a ulva enredou-se na minha cabeça,
cheguei até às raízes dos montes,
a terra lançou sobre mim suas fechaduras para sempre...
(Para sempre?)
Quero dizer que estive no inferno...
De lá trago a minha palavra.
e não canto a destruição:
apoio a minha lira na crista mais alta deste símbolo...
Sou Jonas.
Léon Felipe, «Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea», selecção e tradução de José Bento, Assírio e Alvim, p.111-112
[Nasceu em Tábara (Zamora) em 1884. Fez estudos secundários em Santander e de Farmácia em Vallodolid e Madrid. Foi farmacêutico e actor profissional. Em 1922 deixou a Espanha, passando a viver nos Estados Unidos, México e Canadá como professor de língua e literatura espanholas. Durante a Guerra Civil esteve em Espanha, colaborando na revista 'Hora de España'. Depois fixou-se no México, onde faleceu em 1968. Traduziu Shakespeare e Whitman - ob.cit., p. 107 ]
17/01/10
13/01/10
O 13
«Talvez porque nascida numa sexta-feira dia 13, costumava interrogar-me se tal não teria interferido em meu pai perder o emprego. Infantis essas minhas congeminações e esses medos. A adolescência. Era a adolescência. Idade parece que procípia a nos supormos a mais no mundo. Um "a mais", quanto a mim, o mesmo que "mal-grado meu".
Ana falava de como o marido chegara cedo, naquela manhã, e com um ar abatido, se deixara cair no cadeirão do quarto e escondera a cara nas mãos: "Despedi-me... Estou desempregado.»
Era uma empresa bancária particular que recebia dinheiro em depósito e fazia empréstimos. Empresa pequena. Além de meu pai, o contabilista, um manga-de-alpaca tc-tc à máquina, e o chefe sujeitinho tão rude como refalsado. O pai propusera aumento de salário, trabalhava duro e ganhava uma ninharia, impossível continuar em semelhantes condições. O patrão, no entanto, a desconversar, a trocar-lhe as voltas, cínico, como se não se tratasse de assunto sério. Discutiram em seguida, conquanto que em vão. Desesperado, por fim, o guarda livros, largando a pasta no tampo da secretária e envergando o casacão, saiu porta fora.
Na poltrona aos pés da cama da mulher, arquejava, José. Errara, quando Deus quer... Devia ter considerado, pensado melhor, não se precipitar. Que afinal a família a crescer - e ainda bem, adorava crianças -, a crescer a família e os encargos, e ele, desgraça das desgraças, desempregado! Levantava-se. Tornava a sentar-se. Andava de um lado para o outro, pálido, perturbado. Ana a tranquilizá-lo. "Ora, tu tens carteira profissional." E conhecedor do ofício como poucos, e conceituado em toda a cidade, colocações não haviam de lhe escassear. Pegando-lhe na mão, afagava-o, a companheira. A mão muito branca, com anel de cachucho: um brilhante que, esfregado em flanela de lã, secava, o mesmo que dizer sarava um terçol num olho.
Chamando depois a empregada, a parturiente pediu-lhe que fizesse um chá. Chá de macela. Macela-de-S.-João, quinze flores para dois quartilhos de água a ferver e cinco minutos a abrir à cor. Tomaram então os dois a tisana por entre um total silêncio. Com o abalo, para mais após o parto, Ana começava a sentir-se indisposta, latejavam-lhe as fontes, sobreveio-lhe febre ao entardecer.
Eu tinha vindo ao mundo na véspera, 13 de Janeiro.
O tio, que na ocasião se encontrava em Lisboa, a falta que Luiz ali não fazia. Cunhados muito unidos, muito bem dados, esses. Fosse qual fosse o problema, o aperto, nenhum deles dispensando o parecer do outro.
(...)
Tempo em que as superstições, o que eram as superstições senão o pressentimento do que havia de vir e o sobreaviso? Nesse tempo e ainda hoje. Intervenção, aí, dos astros, dos elementos, da própria Natureza. Quando não da hora em que se nasce, do local onde se vive, da casa que se habita: o lado para o qual abre a porta da rua, as sombras, os ecos, as memórias da casa.»
(...)
Tempo em que as superstições, o que eram as superstições senão o pressentimento do que havia de vir e o sobreaviso? Nesse tempo e ainda hoje. Intervenção, aí, dos astros, dos elementos, da própria Natureza. Quando não da hora em que se nasce, do local onde se vive, da casa que se habita: o lado para o qual abre a porta da rua, as sombras, os ecos, as memórias da casa.»
[Maria Ondina Braga, «Vidas Vencidas», Caminho, p.71-72 e 74]
Maria Ondina Braga nasceu no dia 13 de Janeiro, há setenta e oito anos, em Braga. Ao Ernane C., que teve a gentileza de chamar a minha atenção para este facto, aquele abraço!
12/01/10
Ao «Almocreve das Petas»
Ao machucho poetarrão José Daniel Rodrigues da Costa
«Não presta Coridon, não presta Elpino,
Filinto é ninharia, é lixo Alfeno;
Albano fala só do Tejo ameno,
Só tardes e manhãs descreve Alcino;
Trescala aos Seiscentistas o Paulino;
Pois Bocage! Isso é peste, isso é veneno!» -
Roncava charlatão rolho e pequeno,
Pequeno em corpo, em alma pequenino.
- «Quem acha Voss'mecê (lhe sai dum lado
Taful do sério rancho das lunetas)
Quem acha para versos estremado?» -
- Quem?! (diz o tal) não façam lá caretas:
Um que dos seus papéis anda pejado,
O aguazil Daniel, cantor de petas».
Ao mesmo, publicando o «Almocreve das Petas»
Das Petas o Almocreve é obra tua,
Bem se vê, Daniel, na frase e gosto;
Adiça três de Abril ou seis de Agosto,
É de quem vende as rimas pela rua.
Cheira a teu nome o roubo da perua,
E entre o tostado arroz o gato posto;
Eis a obra melhor que tens composto,
Inda que de artifício e graça nua.
A gente por Lisboa anda pasmada,
Vendo-te farto e cheio como um ovo
Dos alvos pintos, que te deu por nada.
E frio de terror murmura o povo
Que a tua estupidez anda pejada,
E que cedo se espera um parto novo.
Ao mesmo, dando à luz o segundo volume das suas «Rimas»
Tomo segundo à luz saiu das «Rimas,
Obra mui de vagar, mui bem composta,
E sujeita depois a doutas limas.
Fala em ópios, em manas, fala em primas,
Diz coisas de que a plebe não desgosta,
Morde em peraltas, na ralé disposta
A saltos, macaquices, pantominas.
Por estas e por outras que tem feito,
Verá qualquer leitor nas obras suas
Que ele para versar nasceu com jeito.
Acham-se em tendas, acham-se em comuas;
E para lhes aumentar honra e proveito,
As vende o próprio autor por essas ruas.
[pág. 139-140]
Caravaggio
Michelangelo Merisi da Caravaggio [1571-1610] é o autor deste David con la testa di Golia, presentemente em exposição na Galleria Borghese, em Roma. Fosse este o único quadro em exposição e ainda assim valia a pena a viagem. Não é, como se pode verificar aqui. Infelizmente, não vou poder ir até lá. Consolei-me com este documentário da BBC sobre a vida e obra de Caravaggio que encontrei no You Tube, em seis partes. Para quem tem o mesmo problema que eu, aqui ficam os links:
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