Aqui fulano jaz. Foi pouca cousa,
Cansado de mandriar, aqui repousa.
*
Como todos, entrei neste universo
Sem conhecer os homens.
Co'eles vivi, tratei. Não fui ditoso,
Que a necessária bússola
Com que os inimigos mares se navegam
Nunca a tomei comigo.
Cuidei que a boa fé, que o termo ingénuo
Me atalhassem naufrágios.
Vate (e louvado) fui, mas sempre do óptimo
Modelo venusino,
Tão distante, quanto hoje, de mim distam
Vates de anãs nerinas.
Nem da Academia fui, que não me acharam
Os tais sabichões digno
Dessas honras que tanto esperdiçaram
Seus membros que ora calo.
Hoje, que entro a avistar escolhos pérfidos
Cobertos de água mansa
Nesse oceano da Corte sem subúrbios,
Lhes dou o adeus eterno.
Por três homens que vi dignos de estima
Vi mil malvados Judas,
Avarentos, Filautes, vis Sejanos,
Cavernas de calúnia!
Sem pesar me despeço; e, se o previra,
Regeitara entrar no Orbe.
Com que os inimigos mares se navegam
Nunca a tomei comigo.
Cuidei que a boa fé, que o termo ingénuo
Me atalhassem naufrágios.
Vate (e louvado) fui, mas sempre do óptimo
Modelo venusino,
Tão distante, quanto hoje, de mim distam
Vates de anãs nerinas.
Nem da Academia fui, que não me acharam
Os tais sabichões digno
Dessas honras que tanto esperdiçaram
Seus membros que ora calo.
Hoje, que entro a avistar escolhos pérfidos
Cobertos de água mansa
Nesse oceano da Corte sem subúrbios,
Lhes dou o adeus eterno.
Por três homens que vi dignos de estima
Vi mil malvados Judas,
Avarentos, Filautes, vis Sejanos,
Cavernas de calúnia!
Sem pesar me despeço; e, se o previra,
Regeitara entrar no Orbe.
P.e Francisco Manuel do Nascimento (1734-1819), Poesia do Século XVIII - Antologia, Colecção Avelar, Série C - Autores Nacionais, n.º 3, Dir. literária de Júlio Martins e Óscar Lopes, p.51 e 56
[ Escreveu sob o pseudónimo Filinto Elísio. Filho ilegítimo de um fragateiro e de uma varina, fugiu para França, em circunstâncias romanescas, à perseguição dos esbirros da Inquisição, a que o denunciara a própria mãe por conselho do confessor. Vive no exílio do que escreve e de lições de português. Lamartine foi seu discípulo e consagrou-lhe um poema; dava-se com outros notáveis exilados portugueses. É vigoroso prosador e crítico. Testemunha presencial da Revolução Francesa, cujos ideólogos admira, a sua poesia só deixa o recorte horaciano quando irrompe a sua indignação contra as camadas dirigentes em Portugal ou a dor da sua miséria, ou então quando ele se revela o filho da varina e do fragateiro, educado ao ar livre da Ribeira das Naus.]