Campo de paz

(...)
Quem me dera
poder renegar-me
e renascer!
Renascer de olhos enxutos
e de coração frio.
Com a mão estendida
traçar um círculo;
nele me sentar e dele ver o mundo...
Círculo
que eu própria alargasse,
ou reduzisse...
Ó meu sonhado,
desejado
e nunca alcançado
campo de paz,
de conformação,
e de senhorio! 

Irene Lisboa, "Um dia e outro dia...outono havias de vir"
vol I - poesia I, Editorial Presença, p.233



O sol é grande...

O sol é grande, caem com calma as aves
Em tal sazão que soía de ser fria.
Esta água que cai de alto acordar me hia
De sono não, mas de cuidados graves.

Oh cousas todas vãs, todas mudaveis,
Qual é o coração que em vós confia?
E passa um dia assi, passa outro dia,
Incertos muito mais que ó vento as naves?

Eu vira ja aqui sombras, vira flores,
Eu vira fruita ja, verde e madura;
Ensordecia o cantar dos ruiseñores!

Agora tudo é seco e de mistura:
Tambem mudando me eu, fiz outras côres.
E tudo o mais renova: isto é sem cura. 

Francisco de Sá de Miranda, Poesias de ...,
edição de Carolina Michaëlis de Vasconcelos, INCM, p. 81