Estados mentais

"TEOREMA DE HEISENBERG": Fórmula da mecânica quântica segundo a qual a variância (dispersão em torno da média) da posição de um electrão, ou de qualquer outra partícula quântica, é inversamente proporcional à variância da velocidade. Corolário: se a dispersão na posição diminui, a dispersão na velocidade aumenta e ao contrário. A fórmula é rigorosa e deriva de alguns dos axiomas da teoria, sem nenhuma referência a processos de medidas. Deve portanto ser válida universalmente sem nenhuma referência a condições de laboratório. Contudo, tem sido muitas vezes mal interpretada falando de perturbações causadas pelo aparelho de medida ou mesmo pelo observador. Também tem sido mal interpretada falando da incerteza do experimentador a respeito da posição exacta e da velocidade exacta da coisa medida – daí o nome popular de "princípio da incerteza". Esta interpretação é incorrecta por duas razões. Em primeiro lugar, a física não trata de estados mentais como a incerteza. Segundo, a referida interpretação pressupõe que os electrões ou os seus análogos têm sempre uma posição e uma velocidade exactas, como se fossem massas pontuais clássicas, com a diferença que não as podemos conhecer com precisão. Mas a teoria não faz essa suposição: não postula que os electrões e análogos são pontuais e que as suas propriedades têm valores precisos. Em mecânica quântica fala-se de partículas (ou ondas) de uma maneira analógica que é, por isso, enganadora. Uma vez que essas confusões estejam clarificadas, o teorema de Heisenberg perde qualquer interesse para a epistemologia, excepto como um exemplo das distorções de factos científicos que uma filosofia falsa pode originar. Retém , porém, interesse para a ontologia, lembrando-nos que os tijolos constituintes do universo não têm forma definida e são por isso indescritíveis de uma maneira geométrica".

Mario Bunge, citado por Carlos Fiolhais, no blog De Rerum Natura



Senhor

Senhor se da tua pura justiça
Nascem os monstros que em minha roda eu vejo
É porque alguém te venceu ou desviou
Em não sei que penumbra os teus caminhos

Foram talvez os anjos revoltados.
Muito tempo antes de eu ter vindo
Já se tinha a tua obra dividido

E em vão eu busco a tua face antiga
És sempre um deus que nunca tem um rosto

Por muito que eu te chame e te persiga.

Sophia de Mello Breyner Andresen, Obra Poética I, Círculo de Leitores, p.285



Patrick Delcroix, Cherché, trouvé, perdu, Cisne Negro Dance Company

Se isto é um homem

Vós que viveis tranquilos
Nas vossas casas aquecidas,
Vós que encontrais regressando à noite
Comida quente e rostos amigos:
Considerai se isto é um homem
Quem trabalha na lama
Quem não conhece a paz
Quem morre por um sim ou por um não.
Considerai se isto é uma mulher,
Sem cabelos e sem nome
Sem mais força para recordar
Vários os olhos e frio o regaço
Como uma rã no Inverno.
Meditai que isto aconteceu:
Recomendo-vos estas palavras.
Esculpi-as no vosso coração
Estando em casa andando pela rua,
Ao deitar-vos e ao levantar-vos;
Repeti-as aos vossos filhos.
Ou então que desmorone a vossa casa,
Que a doença vos entreve,
Que os vossos filhos vos virem a cara.

Primo Levi, Se isto é um Homem, Teorema, p.7



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