Minha mãe zangava-se muito. Entrava em casa quando vinha de fora, da quinta ou da sapataria, e a casa cobria-se de culpas, toda gente era incluída.
Não sei que humor devastador a tomava. Ou sei, agora que sinto o mesmo, uma espécie de desabrido desgosto de retomar um reino que se herdou e não o queríamos. Estou a parecer-me com a minha mãe, finalmente encontramo-nos depois de tantos anos de frieza meio arrependida. Eu acusava-a de ser tão adaptada e falar por provérbios que permitem alguma segurança de opinião. Eu fazia os meus provérbios, era sempre irascível na maneira de proibir qualquer adulação. Cuidado em ter amor por mim! O amor parecia-me enfadonho quando oferecido; tinha de ser difícil e não carinhoso e leviano. "Amor de menino é como água em cestinho" - o mundo parecia-me povoado de crianças, dessas que morrem cedo e têm no peito um vazio.
Agustina Bessa-Luís, O livro de Agustina Bessa-Luís, Guerra e Paz,p. 80-81
c.a.
ResponderEliminarNão sei que hei-de dizer deste texto. Li-o há pouco tempo, quando li este livro de Agustina. Foi um livro que me fez remexer nas memórias, também, como parece ser o caso.
O reencontro tardio é sempre um reencontro, não vale a pena lamuriarmo-nos do que se perdeu há que preservar o que hoje se encontrou.
"Cuidado em ter amor por mim!", é uma frase de uma profundidade que dói como só a Agustina sabe muito bem empregar.
Deixa marcas, este texto. Bom fim de semana c.a.
ResponderEliminarSem dúvida, Analima. Obrigada, um bom fim de semana para si também.
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