08/03/10

La noche cíclica



Lo supieron los arduos alumnos de Pitágoras:
los astros y los hombres vuelven cíclicamente;
los átomos fatales repetirán la urgente
Afrodita de oro, los tebanos, las ágoras.

En edades futuras oprimirá el centauro
con el casco solípedo el pecho del lapita;
cuando Roma sea polvo, gemirá en la infinita 
noche de su palacio fétido el minotauro.

Volverá toda noche de insomnio: minuciosa.
La mano que esto escribe renacerá del mismo
vientre. Férreos ejércitos construirán el abismo.
(David Hume de Edimburgo dijo la misma cosa.)

No sé si volveremos en un ciclo segundo
como vuelven las cifras de una fracción periódica;
pero sé que una oscura rotación pitagórica
noche a noche me deja en un lugar del mundo
que es de los arrabales. Una esquina remota
que puede ser del Norte, del Sur o del Oeste,
pero que tiene siempre una tapia celeste,
una higuera sombría y una vereda rota.

Ahí está Buenos Aires. El tiempo que a los hombres
trae el amor o el oro, a mí apenas me deja
esta rosa apagada, esta vana madeja
de calles que repiten los pretéritos nombres

de mi sangre: Laprida, Cabrera, Soler, Suárez...
Nombres en que retumban (ya secretas) las dianas,
las repúblicas, los caballos y las mañanas,
las felices victorias, las muertes militares.

Las plazas agravadas por la noche sin dueño
son los patios profundos de un árido palacio
y las calles unánimes que engendran el espacio
son corredores de vago miedo y de sueño.

Vuelve la noche cóncava que descifró Anaxágoras;
vuelve a mi carne humana la eternidad constante
y el recurdo ?el proyecto? de un poema incesante:
«Lo supieron los arduos alumnos de Pitágoras...» 
                                                                           1940

Jorge Luis Borges, Antologia poética 1923-1977,
Alianza Editorial, p.47-48

06/03/10

Com medonho estridor, o Inferno fala

 

Geme o Centro mortal, o Abismo estala,
O Vento se enfurece, o Céu se enluta;
Do mais enorme peso a massa bruta
Rompe em soluços, em temor se abala.

O mar o seu prefixo termo escala;
Na prisão subterrânea o fogo luta,
E horrores vomitando em cada gruta,
Com medonho estridor o Inferno fala.

Tanta desordem, tanto desconcerto
Nos elementos todos, são indício,
Que a ruína universal vem já mui perto.

E o mais certo sinal do precipício,
É crescer sem temor o desacerto,
E subir nos mortais sem termo o vício.
                                                                 I, 36

Abade de Jazente, Poesias, INCM, p.66

03/03/10

Raposas


Março

Chove lá fora.
Há um silêncio enevoado e triste
a saber a demora
sobre tudo o que existe.

Minha alma recolhe-se do frio
e une as mãos às mãos do sentimento.
Chove lá fora. Engrossa o rio
do meu pensamento.

O dia agora é um lençol molhado
estendido ao longo dos caminhos.

Eu sou este dia de março
a arrefecer o amor dos primeiros ninhos.


Albano Martins, «Assim são as algas» - poesia 1950-2000, Campo das Letras, p.22

01/03/10

O último segundo


Os fios do coração



Tão difícil o encontro quão difícil é o apartamento.
Uma a uma as flores estiolam-se no quebranto do vento leste.
Os bichos-da-seda de primavera dobam até à morte os 
fios do coração:
O  pavio da vela tornando-se em cinzas antes de as lágrimas lhes secarem.
A preocupação do espelho da manhã é mudar nela o aspecto melancólico:
Alta noite a recitar um poema será que ela não sente o frio dos raios de luar?
A colina das fadas não é longe daqui.
Pássaro azul, apressa-te agora, vigia-me a estrada.


Li Shang-Yin, Poemas sem título, 812-858, China, Dinastia Tang, 
in Nocturno em Macau, de Maria Ondina Braga, Caminho, p.9 

27/02/10

Este cão amargo rói os dias

.

EM LOUVOR E ACIDENTE

De mastigar os ossos nas sílabas espessas
este cão amargo rói os dias
sob o peso da chuva com a morte
por entre os lábios o marfim das pedras

com a lua a destruir os muros sucessivos
vai latindo. Um rio que passa
tão velho e transparente sacrifício
crescendo nesta sombra de ameaças

e pequenos acidentes de percurso.
É nas súbitas varandas que palavras
neutras ou amigas se recusam
concêntricas circulam e regressam

a espaços mínimos cada vez menores
onde não é possível respirar contigo.

[Alberto Soares, Escrito Para A Noite, 1984, respigado aqui]

O branco americano

«Nada do que possa acontecer nos anos mais próximos me surpreenderá minimamente. Quando o assassino branco americano se erguer, para atacar ...