25/09/25
A paixão grega
Li algures que os gregos antigos
não escreviam necrológios,
quando alguém morria perguntavam
apenas:
tinha paixão?
quando alguém morre também eu
quero saber da qualidade da sua paixão:
se tinha paixão pelas coisas
gerais,
água,
música,
pelo talento de algumas palavras
para se moverem no caos,
pelo corpo salvo dos seus
precipícios com destino à glória,
paixão pela paixão,
tinha?
e então indago de mim se eu
próprio tenho paixão,
se posso morrer gregamente,
que paixão?
os grandes animais selvagens
extinguem-se na terra,
os grandes poemas desaparecem nas
grandes línguas que desaparecem,
homens e mulheres perdem a aura
na usura,
na política,
no comércio,
na indústria,
dedos conexos, há dedos que se
inspiram nos objectos à espera,
trémulos objectos entrando e
saindo
dos dez tão poucos dedos para
tantos
objectos do mundo
e o que há assim no mundo que
responda à pergunta grega,
pode manter-se a paixão com fruta
comida ainda viva,
e fazer depois com sal grosso uma
canção curtida pelas cicatrizes,
palavra soprada a que forno com
que fôlego,
que alguém perguntasse: tinha
paixão?
afastem de mim a pimenta-do-reino,
o gengibre, o cravo-da-índia,
ponham muito alto a música e que
eu dance,
fluido, infindável,
apanhado por toda a luz antiga e
moderna,
os cegos, os temperados, ah não,
que ao menos me encontrasse a paixão
e eu me perdesse nela
a paixão grega.
Herberto Helder, "A faca não corta o Fogo - Súmula & Inédita", Assírio & Alvim, 2008
07/09/25
Ciclos
As casas ardem como ardemas florestas. Por cima delas, outras casascrescem como nascem outrasflorestas. O que se renova pode ser visto comose nada existisse antes dele: as janelasque vemos, fechadas ou abertas, dão paravidas, fechadas ou abertas, que são comotodas as vidas que se passaram por trásde outras janelas, fechadas ou abertas. Eas árvores que nasceram onde outrasárvores arderam deitam as mesmas folhase brilham com as mesmas flores, enquantooutros incêndios não destroem outrascasas e outras florestas. De quenos queixamos, então? Dessa fotografiaem que o fogo apagou o único rostode que nos queríamos lembrar? Desse troncoque abrigou o corpo em busca de uma sombra,depois do amor? E quando olho estascasas que se erguem à minha frente,ou quando passo numa floresta repletade sombras e de perfumes, pergunto o quesucedeu a esses breves instantes queo tempo apagou, no seu curso, e se desfazemem nada quando os procuramos, no gestoinútil de reencontrar esse rosto de que não ficounem a memória, ou na tentação de procurara árvore que acolheu um amor que acreditouser eterno como as flores dessa primavera.Nuno Júdice, "O Coro da Desordem", Publicações D. Quixote, 2019, p.24-25
28/08/25
25/08/25
Ofício
Armazenar sofrimento.
Distribuí-lo depois
Límpido.
António Osório, "Antologia Poética", Quetzal Editores, 1994, p.69
21/08/25
19/08/25
How do I love thee?
How do I love thee? Let me count the ways.
I love thee to the depth and breadth and height
My soul can reach, when feeling out of sight
For the ends of being and ideal grace.
I love thee to the level of every day’s
Most quiet need, by sun and candle-light.
I love thee freely, as men strive for right.
I love thee purely, as they turn from praise.
I love thee with the passion put to use
In my old griefs, and with my childhood’s faith.
I love thee with a love I seemed to lose
With my lost saints. I love thee with the breath,
Smiles, tears, of all my life; and, if God choose,
I shall but love thee better after death.
Elizabeth Barrett Browning
PS: em português, no Arpose, tradução de APS aqui
08/08/25
Because we don’t know when we will die, we get to think of
life as an inexhaustible well. Yet, everything happens only a certain number of
times, and a very small number, really. How many more times will you remember a
certain afternoon of your childhood, some afternoon that’s so deeply a part of
your being that you can’t even conceive of your life without it? Perhaps four
or five times more. Perhaps not even that. How many more times will you watch
the full moon rise? Perhaps twenty. And yet it all seems limitless.
Paul Bowles, "The Sheltering Sky"
04/08/25
Ir com a mudança
"Tens de ir com a mudança, foi o que ele me disse. Ninguém mais ouviu, mas o John disse, de facto, para eu ir com a mudança".
Joan Didion, "O Ano do Pensamento Mágico", Infinito Particular, p.287
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