A CASA IMPROVÁVEL
07/09/25
Ciclos
As casas ardem como ardemas florestas. Por cima delas, outras casascrescem como nascem outrasflorestas. O que se renova pode ser visto comose nada existisse antes dele: as janelasque vemos, fechadas ou abertas, dão paravidas, fechadas ou abertas, que são comotodas as vidas que se passaram por trásde outras janelas, fechadas ou abertas. Eas árvores que nasceram onde outrasárvores arderam deitam as mesmas folhase brilham com as mesmas flores, enquantooutros incêndios não destroem outrascasas e outras florestas. De quenos queixamos, então? Dessa fotografiaem que o fogo apagou o único rostode que nos queríamos lembrar? Desse troncoque abrigou o corpo em busca de uma sombra,depois do amor? E quando olho estascasas que se erguem à minha frente,ou quando passo numa floresta repletade sombras e de perfumes, pergunto o quesucedeu a esses breves instantes queo tempo apagou, no seu curso, e se desfazemem nada quando os procuramos, no gestoinútil de reencontrar esse rosto de que não ficounem a memória, ou na tentação de procurara árvore que acolheu um amor que acreditouser eterno como as flores dessa primavera.Nuno Júdice, "O Coro da Desordem", Publicações D. Quixote, 2019, p.24-25
28/08/25
25/08/25
Ofício
Armazenar sofrimento.
Distribuí-lo depois
Límpido.
António Osório, "Antologia Poética", Quetzal Editores, 1994, p.69
21/08/25
19/08/25
How do I love thee?
How do I love thee? Let me count the ways.
I love thee to the depth and breadth and height
My soul can reach, when feeling out of sight
For the ends of being and ideal grace.
I love thee to the level of every day’s
Most quiet need, by sun and candle-light.
I love thee freely, as men strive for right.
I love thee purely, as they turn from praise.
I love thee with the passion put to use
In my old griefs, and with my childhood’s faith.
I love thee with a love I seemed to lose
With my lost saints. I love thee with the breath,
Smiles, tears, of all my life; and, if God choose,
I shall but love thee better after death.
Elizabeth Barrett Browning
PS: em português, no Arpose, tradução de APS aqui
08/08/25
Because we don’t know when we will die, we get to think of
life as an inexhaustible well. Yet, everything happens only a certain number of
times, and a very small number, really. How many more times will you remember a
certain afternoon of your childhood, some afternoon that’s so deeply a part of
your being that you can’t even conceive of your life without it? Perhaps four
or five times more. Perhaps not even that. How many more times will you watch
the full moon rise? Perhaps twenty. And yet it all seems limitless.
Paul Bowles, "The Sheltering Sky"
04/08/25
Ir com a mudança
"Tens de ir com a mudança, foi o que ele me disse. Ninguém mais ouviu, mas o John disse, de facto, para eu ir com a mudança".
Joan Didion, "O Ano do Pensamento Mágico", Infinito Particular, p.287
31/07/25
A mão invisível do vento roça por cima das ervas. [ À la manière de A. Caeiro ]
A mão A
A mão invisível do vento roça por cima das ervas.
Quando se solta, saltam nos intervalos do verde
Papoilas rubras, amarelos malmequeres juntos,
E outras pequenas flores azúis que se não vêem logo.
Não tenho quem ame, ou vida que queira, ou morte que roube.
Por mim, como pelas ervas um vento que só as dobra
Para as deixar voltar àquilo que foram, passa.
Também por mim um desejo inutilmente bafeja
As hastes das intenções, as flores do que imagino,
E tudo volta ao que era sem nada que acontecesse.
Poemas de Ricardo Reis. Fernando Pessoa. (Edição Crítica de Luiz Fagundes Duarte.) Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1994.
- 89.