14/02/10

Narcissus

 


«Bem entendido, o verdadeiro amor é excepcional, dois ou três em cada século, mais ou menos. O resto do tempo, há a vaidade ou o tédio. Quanto a mim, em todo o caso, eu não era a religiosa portuguesa. Não tenho o coração seco, loge disso, mas pelo contrário, cheio de ternura, e, mais, estou sempre de lágrima ao canto do olho. Só que os meus impulsos sentimentais se dirigem sempre a mim e os meus enternecimentos a mim é que dizem respeito. É falso, no fim de contas, que eu nunca tenha amado.
Conto na minha vida um grande amor, de que fui sempre o objecto.» 

[Albert Camus, «A Queda», Editora Livros do Brasil, p.46]

6 comentários:

  1. O amor também se poderia aplicar às revoluções, através das palavras de A. Camus: duas ou três em cada século... Até porque ele é, em si,uma revolução interior que nos altera,hipersensibiza e acorda. Para o mundo,para o outro e para nós mesmos. Estou, agora, , a ler "Le Premier Homme" que me trouxeram de Paris (na FNAC,como referi,estava esgotado),mas já tenho agendada a releitura de "A Queda" que é (era?)o meu preferido.

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  2. Tem razão, é como diz. A pessoa que me deu a conhecer «o cágado», do Almada Negreiros, disse-me uma vez que não queria voltar a sentir «esse tipo de sentimento» [palavras dela], precisamente por achar que já não tinha resistências para o experimentar de novo e sobreviver. Fiquei perplexo, mas acabei por entender.
    Compreendo muito bem a sua preferência por "A Queda". É um livro notável. Já fiz a primeira leitura, mas desconfio que é dos tais que nunca vou parar de reler. Aguardo a sua apreciação do "Le Premier Homme" para decidir se o encomendo, através da Amazon.

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  3. Há muito mais do que 2 ou 3 verdadeiros amores por século, mas a maioria permanece na penumbra e nunca chega ao conhecimento público nem à literatura. O amor, tal como a beleza, é frequente, disse Jorge Luís Borges.

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  4. ... e, regra geral, efémero (tal como a beleza):-)
    Grato pela visita e pelo comentário.

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  5. Por uma questão de claridade:
    não falei de amores literários, nem dos outros, mas, e subjectivamente, dos "amores" de "cada um (ou uma). E, como a média da sobrevivência humana se vai aproximando dos 100 anos, creio que não estarei errado. A menos que não apliquemos uma graduação qualitativa...

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  6. De facto, foi assim que li o seu comentário, ou seja, dois ou três amores por vida, mas parece-me ser de admitir que a frase de Camus possa ser interpretada mais literalmente, com outro sentido. Assim se vê como este livro é um clássico, na definição de George Steiner (refiro-me ao seu post de hoje, no Arpose).
    Obrigado, APS.

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