18/11/10

L'Été au Portugal

Que esperar daqui? O que esta gente
não espera porque espera sem esperar?
O que só vida e morte
informes consentidas
em todos se devora e lhes devora as vidas?
O que quais de baratas e a baratas
é o pó de raiva com que se envenenam?

Emigram-se uns para as Europas
e voltam como eram só mais ricos.
Outros se ficam envergando as opas
de lágrimas de gozo e sarapicos.

Nas serras nuas, nos baldios campos,
nas artes e mesteres que se esvaziam,
resta um relento de lampeiros lampos
espanejando as caudas com que se ataviam.

Que espera se espera em Portugal?
Que gente ainda há-de erguer-se desta gente?
Pagam-se impérios como o bem e o mal
- mas com que há-de pagar-se quem se agacha e mente?

Chatins engravatados, peleguentas fúfias
passam de trombas de automóvel caro.
Soldados, prostitutas, tanto rapaz sem braços
ou sem pernas - e como cães sem faro
os pilha poetas se versejam trúfias.

Velhos e novos, moribundos mortos,
se arrastam todos para o nada nulo,
Uns cantam, outros choram, mas tão tortos
que a mesquinhez tresanda ao mais simples pulo.

Chicote? Bomba? Creolina? A liberdade?
É tarde, e estão contentes de tristeza,
sentados em seu mijo, alimentados
dos ossos e do sangue de quem não se vende.

(Na tarde que anoitece o entardecer nos prende)

Lisboa, Agosto 1971

Jorge de Sena, Versos e alguma prosa de
prefácio e selecção de textos de Eugénio Lisboa, co-ed. arcádia e Moraes, p.116-117


5 comentários:

  1. Duas truculências bem casadas. E o Ligeti (que conheço muito mal)lembra um Carl Orf menos lírico - mais áspero e rude.

    ResponderEliminar
  2. Palavras sábias e belas vestindo realidades...

    ResponderEliminar
  3. Que engraçado, APS! Estive a ouvir excertos da Carmina Burana, também pelo «La Fura dels Baus» mas pareceu-me que este poema de Sena exigia algo precisamente como diz: áspero e rude. «Les beaux esprits...» :-)

    Obrigado por dizer que gostou Janaina. Seja bem vinda!

    ResponderEliminar

Tragédia

 (...) The true aristocracy and the true proletariat of the world are both in understanding with tragedy. To them it is the fundamental prin...