25/04/25

25 de Abril

Na manhã da revolução - céu cinzento, dia a ameaçar
chuva - não fui trabalhar, como toda a gente. Uma revolução
é para isso: para dar feriado no dia em que a tropa sai
à rua, e depois em cada aniversário, desde que alguém
a ganhe, claro, como neste caso aconteceu. Mas quem ganhou?
Ninguém? Todos? Todos e ninguém, no fundo, como se viu
à medida que o tempo passou, e a revolução foi dando
os seus frutos, caindo com o outono, desabrochando nalgumas
primaveras, mas acabando, como todas as revoluções, no ritmo
normal das estações e do tédio do tempo. No entanto,
lembro essa manhã. É verdade que não é das circunstâncias
que fizeram a História, dos grandes nomes e das grandes causas,
que me lembro. Tudo isso é o passado, o que está nos livros,
e há-de ser ensinado enquanto houver História para ensinar. O
que não há-de estar nesses livros, porém, é o que esse dia me
deu: tu, vendendo os primeiros jornais a sair da clandestinidade,
ainda a revolução não estava ganha; o olhar que trocámos, quando te
comprei um desses jornais, com o gesto frio de quem cumpre
a obrigação militante que não era a minha, a não ser que
se entenda por essa obrigação a militância do meu amor por ti; e
o modo como nos despedimos, sabendo que uma revolução é o separar
dos caminhos, o sacrifício dos sentimentos à liberdade das ideias,
a entrega do ser ao absoluto das abstracções. Continuaste a vender
os jornais; e eu, subindo a rua, esperei que deixasses de me ver
para deitar fora o exemplar que te comprei: nem eu era desse partido,
nem o amor pode interromper uma revolução, mesmo quando
ela nos obriga a deitá-lo para o cesto dos papéis.

Nuno Júdice, "50 anos de Poesia - Antologia Pessoal (1972-2022)", Publicações D. Quixote, p.122-123  

   

 

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