Ingmar Bergman, O Sétimo Selo, 1957
06/03/10
Com medonho estridor, o Inferno fala
Geme o Centro mortal, o Abismo estala,
O Vento se enfurece, o Céu se enluta;
Do mais enorme peso a massa bruta
Rompe em soluços, em temor se abala.
O mar o seu prefixo termo escala;
Na prisão subterrânea o fogo luta,
E horrores vomitando em cada gruta,
Com medonho estridor o Inferno fala.
Tanta desordem, tanto desconcerto
Nos elementos todos, são indício,
Que a ruína universal vem já mui perto.
E o mais certo sinal do precipício,
É crescer sem temor o desacerto,
E subir nos mortais sem termo o vício.
I, 36
Abade de Jazente, Poesias, INCM, p.66
03/03/10
Março
Chove lá fora.
Há um silêncio enevoado e triste
a saber a demora
sobre tudo o que existe.
Minha alma recolhe-se do frio
e une as mãos às mãos do sentimento.
Chove lá fora. Engrossa o rio
do meu pensamento.
O dia agora é um lençol molhado
estendido ao longo dos caminhos.
Eu sou este dia de março
a arrefecer o amor dos primeiros ninhos.
Albano Martins, «Assim são as algas» - poesia 1950-2000, Campo das Letras, p.22
Há um silêncio enevoado e triste
a saber a demora
sobre tudo o que existe.
Minha alma recolhe-se do frio
e une as mãos às mãos do sentimento.
Chove lá fora. Engrossa o rio
do meu pensamento.
O dia agora é um lençol molhado
estendido ao longo dos caminhos.
Eu sou este dia de março
a arrefecer o amor dos primeiros ninhos.
Albano Martins, «Assim são as algas» - poesia 1950-2000, Campo das Letras, p.22
01/03/10
Os fios do coração
Uma a uma as flores estiolam-se no quebranto do vento leste.
Os bichos-da-seda de primavera dobam até à morte os
fios do coração:
fios do coração:
O pavio da vela tornando-se em cinzas antes de as lágrimas lhes secarem.
A preocupação do espelho da manhã é mudar nela o aspecto melancólico:
Alta noite a recitar um poema será que ela não sente o frio dos raios de luar?
A colina das fadas não é longe daqui.
Pássaro azul, apressa-te agora, vigia-me a estrada.
Li Shang-Yin, Poemas sem título, 812-858, China, Dinastia Tang,
in Nocturno em Macau, de Maria Ondina Braga, Caminho, p.9
28/02/10
27/02/10
Este cão amargo rói os dias
.
EM LOUVOR E ACIDENTE
De mastigar os ossos nas sílabas espessas
este cão amargo rói os dias
sob o peso da chuva com a morte
por entre os lábios o marfim das pedras
com a lua a destruir os muros sucessivos
vai latindo. Um rio que passa
tão velho e transparente sacrifício
crescendo nesta sombra de ameaças
e pequenos acidentes de percurso.
É nas súbitas varandas que palavras
neutras ou amigas se recusam
concêntricas circulam e regressam
a espaços mínimos cada vez menores
onde não é possível respirar contigo.
[Alberto Soares, Escrito Para A Noite, 1984, respigado aqui]
EM LOUVOR E ACIDENTE
De mastigar os ossos nas sílabas espessas
este cão amargo rói os dias
sob o peso da chuva com a morte
por entre os lábios o marfim das pedras
com a lua a destruir os muros sucessivos
vai latindo. Um rio que passa
tão velho e transparente sacrifício
crescendo nesta sombra de ameaças
e pequenos acidentes de percurso.
É nas súbitas varandas que palavras
neutras ou amigas se recusam
concêntricas circulam e regressam
a espaços mínimos cada vez menores
onde não é possível respirar contigo.
[Alberto Soares, Escrito Para A Noite, 1984, respigado aqui]
26/02/10
25/02/10
Mata-me pensar que em mim não pensas
Fosse-me a carne opaca pensamento,
a vil distância não me deteria
e de remotos longes num momento
até onde te encontras eu viria.
Nem importava que tivesse os pés
no ponto que é de ti mais afastado:
o pensamento vai de lés a lés
mal pensa no lugar a que é chamado.
Mas mata-me pensar que em mim não pensas
para saltar as milhas quando vás;
feito de terra e de água em partes densas,
espero em ânsias o que o tempo traz.
Nem lentos elementos trazem mais
do que choros, da nossa dor sinais.
[Vasco Graça Moura, «Os Sonetos de Shakespeare - Versão integral», Bertrand, p.99]
a vil distância não me deteria
e de remotos longes num momento
até onde te encontras eu viria.
Nem importava que tivesse os pés
no ponto que é de ti mais afastado:
o pensamento vai de lés a lés
mal pensa no lugar a que é chamado.
Mas mata-me pensar que em mim não pensas
para saltar as milhas quando vás;
feito de terra e de água em partes densas,
espero em ânsias o que o tempo traz.
Nem lentos elementos trazem mais
do que choros, da nossa dor sinais.
[Vasco Graça Moura, «Os Sonetos de Shakespeare - Versão integral», Bertrand, p.99]
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