26/03/12

Troianos

São nossos esforços, os dos infortunados;
são nossos esforços como os dos troianos.
Conseguimos um pouco; um pouco
levantamos a cabeça; e começamos
a ter coragem e boas esperanças.

Mas sempre surge alguma coisa que nos pára.
Aquiles junto do fosso à nossa frente
surge e com grandes gritos assusta-nos.-

São nossos esforços como os dos troianos.
Cuidamos que mudaremos com resolução
e valor a contrariedade da sorte,
e estamos cá fora para lutar.

Mas quando vier o momento decisivo,
o nosso valor e a nossa resolução perdem-se;
a nossa alma fica alterada, paralisa;
e em redor das muralhas corremos
à procura de nos salvarmos pela fuga.

Porém a nossa queda é certa. Em cima,
nas muralhas, já começou o pranto.
Choram pelas memórias e os sentimentos dos nossos dias.
Amargamente choram por nós Príamo e Hécuba.

Konstantinos Kavafis, Poemas e Prosas
trad. de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis, Relógio d'Água, p.33




18/03/12

Além

Só sei que a música é um 'sine qua non' na minha existência. Redefine a percepção que tenho de mim mesmo, ou melhor, aquilo que eu busco no transcendental. Por outras palavras, demonstra-me a realidade de uma presença, de um 'além' factual, que resiste à circunspecção analítica ou empírica.


George Steiner, Errata: Revisões de Uma Vida, Relógio d'Água, p.95




07/03/12

No aniversário de MR

O livro é o salva-vidas da solidão.

Onde o tempo e a poeira mais se unem é nas bibliotecas.

O livro que espalma a flor nas suas páginas transforma-a em borboleta.

Ramón Gómez de la Serna, Greguerías, uma selecção,
sel. e trad. Jorge Silva Melo, Assírio e Alvim



Vídeo surripiado ao Prosimetron, no aniversário de MR. Parabéns!

03/03/12

Teleologia

Atravessamos perigos sem saber.
Abismos.
Condores.
Causas sinistras.

Nos intervalos cíclicos votamos
seguir em frente.

Que fazer, não fazer
nestes compromissos
a que nos entregamos?

Perigos não previstos
surgem nos abismos
da realidade.

Sinistras aves, a verdade simples,
descem abismos
sempre quando somos.

Ruy Cinatti, archeologia ad usum animae
Editorial Presença, colecção forma, p.34


01/01/12

As Fúrias

(...) O futuro
o ouvirás, quando surgir. Antes disso, esqueçamo-lo,
que o mesmo vale que começar logo a gemer.
Virá claramente com a luz que o vir nascer.
Seja bem sucedida, depois disto, a acção, (...)

Ésquilo, Agamémnon, 248-257,
in Hélade - Antologia da Cultura Grega, org. e trad. Maria Helena da Rocha Pereira, Guimarães Ed., p.227


25/12/11

Natal

E nessa luz estás tu;
mas eu não sei onde estás,
não sei onde está a luz.

Juan Ramón Jimenez, Antologia Poética
trad. José Bento, Relógio D'Água, p.162




Para APS, MR e Ana, com votos de Boas Festas.

21/12/11

Perversa Idade

Apenas isso: vinha
e não sabia
que tempestade a mais
vinha com ela

Alberto Soares, Escrito para a noite, INCM, p.20


20/11/11

Saltério

Sôbolos rios que vão por Babilónia, sentados
chorámos as lembranças de Sião,
e nos salgueiros pendurámos as harpas
contra o vento.

Herberto Helder, O Bebedor Nocturno - poemas mudados para português
Assírio & Alvim, p.15



07/11/11

Outono

Vibram sílabas ao vento e os cabelos
brancos esvoaçam como aves fustigadas,
frágeis e furtivas
para sul.

Águas rompem de um incerto futuro
como as pedras ficam
quietas para sempre, conformadas
no infinito.

Sobe da terra um bafo morno,
materno, cada vez mais frio,
e a morte é a grande abstracção
depois da noite maior.

Alberto Soares

[poema retirado do Arpose



Lembro-me de ti...

  Lembro-me de ti... Na escuridão profunda da memória, o teu olhar ilumina a estrada percorrida na história da minha vida. E sinto, em mim, ...