«Mas o Penedos. Era um político, querida, não sei se sabes o que isso é. Eu também não sei, mas vou ver se descubro enquanto te vou explicando. É a pessoa de quem mais mal se diz, depois dos árbitros de futebol. E logo tu a pensares que é pela mesma razão. E eu também, mas não sei ainda bem se é. Quem o pensa são talvez os curtos de mente, que é o que eu sou por enquanto.O político tem a missão de promover o bem comum, pressupõe-se. Mas o bem comum tem sempre muitos degraus e portanto pouca comunidade. Pressupõe-se isso e depois tiram-se as conclusões, que metem quase sempre um bocado de pancadaria. A missão de um político parece óbvia, mas nada é óbvio na vida, Mónica, imaginas o que há de difícil mesmo na soma de 2+2? mas eu estava a falar-te do político. É um jogador, uma das formas mais altas de. Joga ao bem comum e às vezes a sorte sai-lhe. É a altura de lhe dizerem tudo os que não jogaram ou a quem não saiu. O bem comum tem a forma de uma ficha para jogar. E sofre tanto de solidão. É um bebedor solitário, bebe política ao canto da consciência. Não joga para ganhar, e que jogador é que joga? joga só para chatear o destino, o que joga nele é a inquietação de o chatear. Como no capitalista, no general, no artista, mas o político é um jogador infeliz porque é raro deixarem-no jogar a tempo inteiro. Mas que é que nós somos a tempo inteiro? Nem o comer nem o beber nem o fornicar e assim. Tudo nos é limitado pela estupidez de tudo e a vida é o tudo desse tudo. Muito estúpida, minha querida.»
Vergílio Ferreira, «Em nome da terra», Quetzal, p.225 - 226