Ninguém ama de olhos fechados

Dormir, sim,
quando o silêncio
dói. Mas nunca
se dorme quando
o amor
é uma insónia. Ninguém
ama de olhos
fechados.


Albano Martins, «Palinódias, Palimpsestos»
[ poema 'surripiado' no «ComLivros-Teresa»; ver ainda uma entrevista, aqui]

Responsabilidade involuntária



«Naquele tempo, tentei muitas vezes falar com amigos meus sobre o problema: imagina que alguém corre conscientemente para a sua ruína e que tu podes salvá-lo - o que farias? Imagina uma operação e um doente que tomou drogas que são incompatíveis com a anestesia, mas que se envergonha de ser um drogado, e não o quer dizer ao anestesista - ias falar com o anestesista? Imagina um processo em tribunal e um acusado que vai ser punido porque não confessa que é canhoto e por isso não pode ter cometido aquele crime, que foi cometido por um mão direita, mas que tem vergonha de ser canhoto - irias dizer ao juiz o que se está a passar? Imagina que é um homossexual, que não pode ter cometido aquele acto, mas que tem vergonha de ser homossexual. Não se trata aqui da questão de uma pessoa se envergonhar por ser canhoto ou homossexual: imagina, apenas, que o acusado tem vergonha. (...)
- Não, o teu problema não tem uma solução agradável. Naturalmente que temos de agir se a situação que descreveste é uma situação que implica uma responsabilidade involuntária ou uma responsabilidade que decidimos assumir. Ao sabermos o que é melhor para o outro, e sabendo que ele se nega a vê-lo, temos de tentar abrir-lhe os olhos. Devemos deixar-lhe sempre a última palavra, mas temos que falar com ele, com ele e não com outra pessoa nas suas costas.»

[Bernhard Schlink, «O Leitor», Ed. Asa, p.90, 91 e 94]

La lluvia

Bruscamente la tarde se ha aclarado
porque ya cae la lluvia minuciosa.
Cae o cayó. La lluvia es una cosa
que sin duda sucede en el pasado.

Quien la oye caer ha recobrado
el tiempo en que la suerte venturosa
le reveló una flor llamada rosa
y el curioso color del colorado.

Esta lluvia que ciega los cristales
alegrará en perdidos arrabales
las negras uvas de una parra en cierto

patio que ya no existe. La mojada
tarde me trae la voz, la voz deseada,
de mi padre que vuelve y que no ha muerto.


Jorge Luís Borges

[é magnífico! obrigado, T.  ]