Pássaros

Passam
tão próximos não sabem
destes pássaros macios
que crescem com a noite e não cessam
de cantar nem adormecem nunca.

Alberto Soares, Escrito para a noite, INCM, p.30



A vida a bordo

Se um dia soubesse contar das minhas viagens e das pessoas que nelas conheci, penso que teria um assunto de romance.
Primeiro, as viagens por mar. Há na vida a bordo certa intimidade, ao mesmo tempo espontânea e fictícia, que marca tanto os viajantes como a tripulação de um sinal humano e fútil. É-se nessas viagens mais sincero e mais insensato que nunca. Creio mesmo que ali, no meio das águas, cada qual se mostra o que deveras é, com as suas grandezas e as suas misérias, como se, postos de parte preconceitos e medos, todos quisessem, enfim, representar o papel que lhes ditou o grande autor.
Tais viagens são, sem dúvida, as mais interessantes e as mais inverosímeis também. O encanto que a ociosidade e o mar concedem àqueles dias no barco desfaz-se logo que se anuncia o porto de desembarque, ninguém se conhecendo mais depois, cada um ingénua e precipitadamente ocupado em reajustar a máscara do mundo.
Maria Ondina Braga, Estátua de sal, Círculo dos Leitores (ed. refundida e ampliada), p.167