«No pátio, as crianças brincavam no meio do passado remoto dos séculos. A cidade era velhíssima, escavada, atulhada de grutas e esconderijos. Nas tardes de Verão, quando os habitantes estavam de férias ou desapareciam por detrás das persianas, eu ia para um segundo pátio onde estava a boca de uma cisterna tapada por tábuas de madeira. Sentava-me em cima delas para ouvir os ruídos. Do fundo, sabe-se lá quão profundo, provinha um sussurro de água em movimento. Havia uma vida encerrada lá dentro, um prisioneiro, um papão, um peixe. Por entre as tábuas subia o ar fresco que enxugava o suor. Na infância, tinha uma liberdade especial. As crianças são exploradoras e querem conhecer os segredos. Regressei, por isso, às traseiras da estátua para ver onde levava o alçapão. Era Agosto, o mês em que as crianças mais crescem.»
[
Erri de Luca,
«O dia antes da felicidade», Bertrand Editora, p.10-11]