Saudade

A Viagem Definitiva

...E eu irei. E ficarão os pássaros
cantando;
ficará o quintal, com sua verde árvore
e seu poço branco.

Todas as tardes o céu será azul, tranquilo;
e tocarão, como esta tarde tocam
os sinos no campanário.

Morrerão aqueles que me amaram
e a terra será nova cada ano;
e naquele meu canteiro florido e caiado
o meu espírito há-de pairar nostálgico...

E eu irei; estarei só, sem lugar, sem árvore
verde, sem o poço branco,
nem céu azul e plácido...
E os pássaros ficarão cantando.

Juan Ramón Jimenez, Poemas agrestes, 1910-1911, trad. Alberto Soares

Indecentemente surripiado ao Arpose, alegando como causa exculpativa os muitos dias de saudade da poesia, que me consome...


Sinto os mortos

Sinto os mortos no frio das violetas
E nesse grande vago que há na lua.

A terra fatalmente é um fantasma,
Ela que toda a morte em si embala.

Sei que canto à beira de um silêncio,
Sei que bailo em redor da suspensão,
E possuo em redor da impossessão.

Sei que passo em redor dos mortos mudos
E sei que trago em mim a minha morte.

Mas perdi o meu ser em tantos seres,
Tantas vezes morri a minha vida,
Tantas vezes beijei os meus fantasmas,
Tantas vezes não soube dos meus actos,
Que a morte será simples como ir
Do interior da casa para a rua.

Sophia de Mello Breyner Andresen, Obra Poética I, Círculo de Leitores, p.65