Outro dia
Leio cinco versos.
Já os tinha lido, depressa,
a apanhar-lhes o espírito,
no ar.
Que versos!
Mal os entendi,
não os apreciei...
Leio-os agora mais devagar,
palavra a palavra...
Cada palavra,
ou duas,
ou três...
Sim, é isto...
Assim se pensa,
efectivamente,
depressa ou devagar,
por meios sentidos...
Cada palavra é um título,
E larga!
Tanto vale sendo verbo
como adjectivo...
E não há adjectivos banais,
nem de mau gosto,
há pensamentos...
coisas visíveis
ou invisíveis,
mostradas de repente.
Mas escapadiças...
É sempre preciso
um esforço novo,
inteligência
e sensibilidade
para as compreender...
'saisir!'
[Irene Lisboa, «um dia e outro dia... outono havias de vir», volume I, poesias I, Presença, p.272-273]
P.S.: Para AJS, com gratidão.
Já os tinha lido, depressa,
a apanhar-lhes o espírito,
no ar.
Que versos!
Mal os entendi,
não os apreciei...
Leio-os agora mais devagar,
palavra a palavra...
Cada palavra,
ou duas,
ou três...
Sim, é isto...
Assim se pensa,
efectivamente,
depressa ou devagar,
por meios sentidos...
Cada palavra é um título,
E larga!
Tanto vale sendo verbo
como adjectivo...
E não há adjectivos banais,
nem de mau gosto,
há pensamentos...
coisas visíveis
ou invisíveis,
mostradas de repente.
Mas escapadiças...
É sempre preciso
um esforço novo,
inteligência
e sensibilidade
para as compreender...
'saisir!'
[Irene Lisboa, «um dia e outro dia... outono havias de vir», volume I, poesias I, Presença, p.272-273]
P.S.: Para AJS, com gratidão.
Trabalhos
«Neste mundo, tudo tem a sua hora; cada coisa tem o seu tempo próprio.
Há o tempo de nascer e o tempo de morrer;
o tempo de plantar e o tempo de arrancar;
o tempo de matar e o tempo de curar;
o tempo de destruir e o tempo de construir;
o tempo de chorar e o tempo de rir;
o tempo de estar de luto e o tempo de dançar;
o tempo de atirar pedras e o tempo de as juntar;
o tempo de se abraçar e o tempo de se afastar;
o tempo de procurar e o tempo de perder;
o tempo de guardar e o tempo de deitar fora;
o tempo de rasgar e o tempo de coser;
o tempo de calar e o tempo de falar;
o tempo de amar e o tempo de odiar;
o tempo da guerra e o tempo da paz.
[Eclesiastes, 3,5 - 4,1, «a Bíblia para todos - edição literária», Círculo dos Leitores, p.1417-1418]
«Quando um homem medita nos objectos
dos sentidos, desperta o seu apego;
e, do apego, eis que nasce, então, o desejo;
e, do desejo, é que provém a ira;
e, da ira, provém sempre desilusão;
e, da desilusão, a perda de memória;
e, perdida a memória, esvai-se o intelecto;
e, sem o intelecto, eis que o homem perece.
Mas, se passar plo meio dos objectos
dos sentidos, com todos os seus sentidos livres
d'apego e d'ódio, mente submetida,
senhor de si, há-de ganhar a serenidade.
E, na serenidade, pra ele, não há
mais qualquer espécie d'infortúnio ou d'entrave,
porque, com a consciência em paz imensa,
esse mantém o intelecto inabalável.»
Há o tempo de nascer e o tempo de morrer;
o tempo de plantar e o tempo de arrancar;
o tempo de matar e o tempo de curar;
o tempo de destruir e o tempo de construir;
o tempo de chorar e o tempo de rir;
o tempo de estar de luto e o tempo de dançar;
o tempo de atirar pedras e o tempo de as juntar;
o tempo de se abraçar e o tempo de se afastar;
o tempo de procurar e o tempo de perder;
o tempo de guardar e o tempo de deitar fora;
o tempo de rasgar e o tempo de coser;
o tempo de calar e o tempo de falar;
o tempo de amar e o tempo de odiar;
o tempo da guerra e o tempo da paz.
Que resultado tira cada um dos seus próprios trabalhos e canseiras? Deus destinou aos homens uma tarefa bem pesada, que eles têm de suportar.»
[Eclesiastes, 3,5 - 4,1, «a Bíblia para todos - edição literária», Círculo dos Leitores, p.1417-1418]
«Quando um homem medita nos objectos
dos sentidos, desperta o seu apego;
e, do apego, eis que nasce, então, o desejo;
e, do desejo, é que provém a ira;
e, da ira, provém sempre desilusão;
e, da desilusão, a perda de memória;
e, perdida a memória, esvai-se o intelecto;
e, sem o intelecto, eis que o homem perece.
Mas, se passar plo meio dos objectos
dos sentidos, com todos os seus sentidos livres
d'apego e d'ódio, mente submetida,
senhor de si, há-de ganhar a serenidade.
E, na serenidade, pra ele, não há
mais qualquer espécie d'infortúnio ou d'entrave,
porque, com a consciência em paz imensa,
esse mantém o intelecto inabalável.»
[Vyassa, «Poema do Senhor Bhagavad-Guitá», transcrição, introdução, notas e glossário de António Barahona, Assírio e Alvim, p.89 ]
Jonas, o profeta foragido, em fuga à obediência
«O pequeno livro de Ionà/Jonas, só 48 versículos, é denso em acontecimentos e não desperdiça uma só palavra. Jonas, na sua língua de origem, o hebraico, é Ionà, que quer dizer pomba. É a mesma Ionà mandada por Noé da arca depois do dilúvio, mas é também o particípio presento do verbo ianà, oprimir. Entre estas duas palavras opostas se desenvolve a vida do profeta.»
Erri De Luca, "Caroço de Azeitona", Assírio & Alvim, p.71
Erri De Luca, "Caroço de Azeitona", Assírio & Alvim, p.71
Talvez me chame Jonas
Não sou ninguém:
um homem com um grito de estopa na garganta
e uma gota de asfalto na retina.
Não sou ninguém. Deixai-me dormir!
Mas às vezes ouço um vento de tormenta que me grita:
«Levanta-te, vai a Ninive, cidade grande, e brada contra ela.»
Não faço caso, fujo pelo mar e deito-me a dormir no canto mais escuro da nave,
até que o Vento teimoso que me segue
volte a gritar-me outra vez:
«Dorminhoco, que fazes aí? Levanta-te.»
-Não sou ninguém:
um cego que não sabe cantar. Deixai-me dormir!
E alguém, esse Vento que busca um funil de trasfega, diz junto mim, dando-me com o pé:
«Aqui está; farei um trombeta com este cone de metal velho e vazio;
por ele meterei minha palavra e encherei de vinho novo a velha cuba do mundo. Levanta-te!»
- Não sou ninguém. Deixai-me dormir!
Mas um dia lançaram-me ao abismo,
as águas amargas cercaram-me até à alma,
a ulva enredou-se na minha cabeça,
cheguei até às raízes dos montes,
a terra lançou sobre mim suas fechaduras para sempre...
(Para sempre?)
Quero dizer que estive no inferno...
De lá trago a minha palavra.
e não canto a destruição:
apoio a minha lira na crista mais alta deste símbolo...
Sou Jonas.
Léon Felipe, «Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea», selecção e tradução de José Bento, Assírio e Alvim, p.111-112
um homem com um grito de estopa na garganta
e uma gota de asfalto na retina.
Não sou ninguém. Deixai-me dormir!
Mas às vezes ouço um vento de tormenta que me grita:
«Levanta-te, vai a Ninive, cidade grande, e brada contra ela.»
Não faço caso, fujo pelo mar e deito-me a dormir no canto mais escuro da nave,
até que o Vento teimoso que me segue
volte a gritar-me outra vez:
«Dorminhoco, que fazes aí? Levanta-te.»
-Não sou ninguém:
um cego que não sabe cantar. Deixai-me dormir!
E alguém, esse Vento que busca um funil de trasfega, diz junto mim, dando-me com o pé:
«Aqui está; farei um trombeta com este cone de metal velho e vazio;
por ele meterei minha palavra e encherei de vinho novo a velha cuba do mundo. Levanta-te!»
- Não sou ninguém. Deixai-me dormir!
Mas um dia lançaram-me ao abismo,
as águas amargas cercaram-me até à alma,
a ulva enredou-se na minha cabeça,
cheguei até às raízes dos montes,
a terra lançou sobre mim suas fechaduras para sempre...
(Para sempre?)
Quero dizer que estive no inferno...
De lá trago a minha palavra.
e não canto a destruição:
apoio a minha lira na crista mais alta deste símbolo...
Sou Jonas.
Léon Felipe, «Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea», selecção e tradução de José Bento, Assírio e Alvim, p.111-112
[Nasceu em Tábara (Zamora) em 1884. Fez estudos secundários em Santander e de Farmácia em Vallodolid e Madrid. Foi farmacêutico e actor profissional. Em 1922 deixou a Espanha, passando a viver nos Estados Unidos, México e Canadá como professor de língua e literatura espanholas. Durante a Guerra Civil esteve em Espanha, colaborando na revista 'Hora de España'. Depois fixou-se no México, onde faleceu em 1968. Traduziu Shakespeare e Whitman - ob.cit., p. 107 ]
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