«Então de súbito se acalmara. Nunca, até então, tivera a sensação de calma absoluta. Estava sentindo agora uma clareza tão grande que a anulava como pessoa actual e comum: era uma lucidez vazia, assim como um cálculo matemático perfeito do qual não se precisasse. Estava vendo claramente o vazio. E nem sequer entendia aquilo que parte dela entendia. Que faria dessa lucidez? Sabia também que aquela sua clareza podia se tornar o inferno humano. Pois sabia que - em termos da nossa diária e permanente acomodação resignada à irrealidade - essa clareza de realidade era um risco: «Apagai pois a minha flama, Deus, porque ela não me serve para os dias. Ajudai-me de novo a consistir de um modo mais possível. Eu consisto, eu consisto.»
[Clarice Lispector, «Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres», Relógio de Água Editores, p.105]
Depois do "Silêncio" nada podia ser melhor do que este texto!
ResponderEliminarEstá visto vou ter que comprar este livro.
Tenho de lhe confessar o seguinte: a minha relação com a escrita da Clarice Lispector é um pouco complicada, conforme expliquei aqui:
ResponderEliminarhttp://acasaimprovavel.blogspot.com/2009/09/materia-primordial.html
E correndo o risco de acrescentar agora um disparate, a verdade é que, ao contrário do que acontece relativamente à maioria dos autores, não são as histórias dos livros dela que me atraem. Alguns deles duvido até que tenham uma «história» no sentido comum do termo. O que me atrai sobremaneira são as ideias soltas que aí vou descobrindo. No fundo é como olhar para um edifício e ficar apaixonado pelos tijolos... :-)
Este «Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres» é um romance que me parece mais próximo do modelo tradicional, isto é, tem uma história (ou uma anedota, como dizia Irene Lisboa) que é apreensível sem grande dificuldade. Talvez não seja mau começar por este, se ainda não leu nada dela. E se antes quiser explorar um pouco a escritora e a obra, aconselho este blog:
http://haialispector.blogspot.com/
Obrigada. Não nunca li nada dela. Vou seguir o seu conselho porque gostei das palavras soltas.
ResponderEliminarInteressante a sua opinião sobre as ideias soltas na escrita de Clarice Lispector. E, de alguma forma, parece-me que tem razão.
ResponderEliminarEste foi um dos dois livros que li desta autora. O outro foi "A Hora da Estrela". Tenho também os contos mas ainda não lhes peguei...
Obrigado, já me sinto mais acompanhado... :-)
ResponderEliminarConfesso um certo pudor em manifestar opinião sobre uma Autora que comecei a ler muito devagarinho, por não ser fácil [pelo menos para mim], então praticamente desconhecida [eu descobria-a por puro acaso, através do blog que acima recomendo], e que, recentemente, de um dia para o outro, parece que toda a gente já leu. No outro dia reparei que até a Rita Ferro a citou no início do seu último romance o que, atento o tema do dito, e conhecendo eu um pouco da obra da Clarice, me pareceu totalmente fora do contexto. Enfim...