quando Veneza morre um pouco menos,
apesar das crianças solitárias,
do róseo doentio das paredes,
dos jardins ácidos de sombras,
vai procurá-lo embora não te fale
(esquecerás que por trás de ti o mar afunda
as ilhas, as igrejas, os palácios,
as mais belas cúpulas da terra,
que não te encante o mar nem as sereias)
recorda: Fondamenta Cabalá,
há por ali um vidreiro de Murano
e um bar com música suave,
pergunta na pensão chamada Cici
onde habita aquele homem que chegou
só para ver as pessoas a Veneza,
aquele americano um pouco louco,
ainda direito e com a barba nevada.
passa a ponte de pedra, verás charcos
cheios de gatos negros e gaivotas,
ali, junto ao canal de águas muito verdes
cheios de flores de laranjeira e fruta podre,
ouvirás os violinos de Vivaldi,
pára e não digas nada enquanto olhas:
Ramo Corte Querina, esse é o nome,
nessa pequena viela com os seus vasos,
sem outra saída que a da morte,
vive Ezra Pound
[Antonio Colinas, «Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea», selecção e tradução de José Bento, Assírio e Alvim, p.807-808
Nasceu em La Bañeza (Leão) em 1946. Cursou estudos de Engenharia e História na Universidade de Madrid. Foi leitor de espanhol nas universidades de Milão e Bérgamo. Publicou critica literária em jornais e revistas, volumes de traduções de Pasolini. E. Sanguinetti e Leopardi (este com um amplo estudo), 'Conocer a Aleixandrey e su obra' e antologia 'Poetas italianos contemporáneos'.]
Não conhecia nem o poeta, nem o poema, e gostei. Do Pound também pouco conheço, além do "fait-divers" da sua simpatia pelo Mussolini, e do internamento a que o forçaram,num hospício, os americanos - creio.
ResponderEliminarObrigado.
Somos dois a gostar deste poema e a conhecer pouco (no meu caso praticamente nada) do Pound.
ResponderEliminarGosto muito desta Antologia, quer pela selecção quer pela tradução. Foi uma aquisição nos saldos da Assírio, ou seja, uma óptima compra em todas as vertentes :-)
"e a luz fez-se tão forte e ofuscante,
ResponderEliminarneste recanto do paraíso
que ficou desnorteada a mente humana."
CANTO XXXVIII, Ezra Pound
Meu Caro:
A obra de Ezra Pound é em si mesma um monumento.
Leia-la de uma ponta à outra.
Apesar de uma certa aspereza que faz brotar de cada verso e de cada som — a poesia de Pound tem uma fortíssima vocação musical, quase operática —, da enorme complexidade que a caracteriza, cheia de referências às mais diversas épocas e lugares e vultos maiores da poesia e cultura ocidentais, além do volume da obra em si, enorme e labiríntica, de dimensões quase bíblicas, apesar de tudo isto ela é um absoluto deleite para o espírito.
Vá por mim.
Mercê do seu longo romance com o fascismo italiano, Pound é muitas vezes (e mui injustamente, a meu ver) encarado logo à partida, e por muita gente, com um certo desdém preconceituoso. Não se deixe ludibriar: é um dos maiores génios do nosso defunto século XX.
Grande abraço do Japão,
NBJ
Vou tentar ler, prometo! :-)
ResponderEliminarO meu problema é a língua, isto é, o meu inglês é limitado e, tanto quanto me parece, não é fácil encontrar boas traduções da poesia inglesa mais recente. Para mim o ideal mesmo é uma edição bilingue e até ao momento não me recordo de alguma vez ter visto uma da poesia do Pound. Conhece alguma que me recomende?
Obrigado, e um grande abraço para si aqui da nossa Terra-Mãe
Caro NBJ
ResponderEliminarAfinal existe uma edição em português dos «Cantos», do Ezra Pound, e eu ainda não tinha dado conta. Encontrei-a hoje, na livraria. É da Assírio: http://assirio.com/autor.php?i=E&id=1385
Passei os olhos pelo livro, mas não sei se consigo lê-lo. Pelo menos por enquanto. Um dia destes compro-o.
Abraço
De facto, tenho ideia de já ter visto uma edição bilingue algures; não terá sido dos "Cantos" na sua totalidade, mas... e daí não sei, eventualmente estarei a delirar...
ResponderEliminarEm todo o caso, não a considerando uma obra-prima de tradução a versão portuguesa pela mão do tradutor Brasileiro José Lino Gruenewald, editada pela Assírio & Alvim — lá está! — tem inequívoco mérito, louvor e distinção - isto sem sarcasmos. E é precisamente o calhamaço que tenho aqui junto de mim e que me aquece a alma em noites frias d'Inverno.
Recomendo, sim senhor.
Mas se entretanto chegares à fala como uma edição bilingue que por acaso se cruze contigo, leva-a para casa sem hesitar!
Grande Abraço de Kyushu,
NBJ
Ora bem, assim já me oriento melhor! :-)
ResponderEliminarVou ver se descubro a tal edição bilingue, ainda que seja parcial. Se encontrar, darei notícias. Many thanks!
Grande abraço de Lisboa,