Condição de mulher



Recordava como, no tempo em que era homem, exigia das mulheres que fossem obedientes, castas, perfumadas e primorosamente ataviadas. «Agora vou ter que pagar na minha própria carne esses desejos», reflectiu; «porque as mulheres não são ( a ajuizar pela minha breve experiência de pertença ao sexo) obedientes, castas, perfumadas e primorosamente ataviadas por natureza. Só podem alcançar essas graças, sem as quais não gozam nenhum dos prazeres da vida, mediante a mais enfadonha disciplina. Há o penteado», pensou, «que só por si me vai roubar cada manhã uma hora; há o ver-se ao espelho, mais uma hora; há o espartilho e as rendas; o banho e o pó-de -arroz; há o mudar de vestido, trocando o cetim pela renda e a renda pela seda; há o ser casta todos os dias do ano...». Aqui bateu o pé com impaciência, exibindo uma ou duas polegadas da perna. Um marinheiro empoleirado no mastro, que por acaso olhou para baixo neste instante, sobressaltou-se tão violentamente que perdeu o pé e só por um triz se salvou. «Se ver os meus tornozelos pode custar a vida a uma honesta criatura que com certeza tem mulher e filhos para sustentar, manda a mais elementar humanidade que os traga sempre cobertos», pensou Orlando. As pernas eram, porém, um dos seus maiores encantos. E pôs-se a pensar na bizarra situação a que se chegou quando a mulher é obrigada a cobrir os seus encantos para que um marinheiro se não despenhe do topo de um mastro. «Que os leve a peste!», disse, dando-se conta, pela primeira vez, daquilo que noutras circunstâncias teria aprendido desde criança, ou seja, das sacrossantas responsabilidades da condição de mulher. 

Virginia Woolf, Orlando - uma biografia, Relógio d'Água Editores, p.111-112;  imagem: Dino Valls, Catexis

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