Sobretudo não acredite nos seus amigos quando lhe pedirem que seja sincero para com eles. Esperam apenas que os mantenha na boa ideia que fazem de si próprios, fornecendo-lhes uma certeza suplementar que extrairão da sua promessa de sinceridade. Como é que a sinceridade poderá ser uma condição da amizade? O gosto da verdade a todo o custo é uma paixão que nada poupa e a que nada resiste. É um vício, por vezes um conforto ou um egoísmo.
Albert Camus, A Queda, Editora Livros do Brasil, p.65
Reli "A Queda" há pouco tempo. Li com uns olhos diferentes de há uns anos. Aos 18 anos, que foi quando o li, gostei e apelidei Camus de libertino, o que para uma rapariga de 18 anos tem a graça da tentação.
ResponderEliminarAgora, não tenho vergonha da idade mas não vou dizê-la, a ideia com que fiquei foi que a amargura de Camus está espelhada na sua obra, o título diz tudo, "A Queda".
Se uma pessoa não é sincera para os amigos, não vale apena ter amigos.
Se só vale a imagem, então viver é um marketing permanente. Detesto a venda. Repare como o português é uma língua tramada, a venda pode ter sido a forma como li este livro aos 18 anos.
Continuo a gostar de Camus, este livro é para mim uma autobiografia, o peso e a medida das coisas, a procura de uma reconciliação com a vida, uma despedida, talvez. Contextualizando a época em que ele o escreveu é muito natural que ele tivesse amargura.
Claro, posso não ter descodificado bem. Há uns anos também era uma apaixonada por Nietzsche,hoje não sei...
Adorei este quadro de Dino Valls já o tinha visto. É lindo!
ResponderEliminarAcredita no trecho que transcreveu?
"Sobretudo não acredite nos seus amigos quando lhe pedirem que seja sincero para com eles" :(
Caro "c. a.": Acho que fez um bom casamento imagem/pensamento - o que, nem sempre é fácil, quer num, quer noutro sentido.
ResponderEliminarFalarei por mim, não literariamente mas também.
Dos meus 4/5 Grandes amigos, felizmente há um, pelo menos, que quer realmente a verdade mesmo, quando a pede. É um fraterno Amigo. Alma gémea que, como referia Óscar Lopes de Mário de Sacramento, por interpostas e eternas palavras de Thomas Mann, n'"A Montanha Mágica",dizia: "Tu és o tu da minha vida."
"A Queda", entretanto, é uma enorme obra-prima...
APS,
ResponderEliminar"A Queda" é uma grande obra-prima. Qual é a sua ideia sobre ela?
Revela o conhecimento da dimensão humana, a descrença na humanidade, não acha?
Vi que tenho uma gralha num dos comentários: -vale a pena,- fica aqui a correcção.
Cara Ana,
ResponderEliminarSei, por experiência própria, que o gosto pela verdade é uma paixão que nada poupa, um vício terrível, pelo potencial de destruição que comporta, raras vezes um conforto, algumas um egoísmo. E também sei que, regra geral, cada pessoa tem um limite para a quantidade de verdade que é capaz de suportar e que pode ser perigoso ir além desse limite, tanto para quem revela como para quem ouve. Às vezes é importante saber revelar a verdade a alguém como se dá um xarope, à colher, medindo as doses. Aprendi da pior maneira que verdade em excesso pode ser crueldade pura, que é o maior defeito dos «justos».
Para mim ler «A Queda» foi como olhar a minha imagem num espelho, reconhecer que sou eu e, todavia, descobrir-me diferente. Nunca antes me aconteceu algo sequer vagamente semelhante com outro livro e por isso estou convencido que não vou conseguir separar-me dele até ao fim dos meus dias. Obrigado, e bom domingo!
Caro APS,
Eu sou um caso estranho, porque não confio em quem me poupa (já nem falo em que me mente, basta que não me digam a verdade toda, ainda que com a melhor das intenções) e não consigo sentir amizade por quem não confio.«A realidade protege mais do que os sonhos», escreveu Agustina (um excerto que num post anterior já transcrevi) e por isso realidade é o que espero dos meus amigos. Em mim, este talvez seja a mais evidente marca (característica) do verdadeiro género deste «contador», se Agustina estiver certa na sua apreciação. Obrigado e um bom domingo também para si!
Caro a.c.,
ResponderEliminarOs "justos" também têm um limite para ser justos porque só Deus pode ser completamente justo, por vezes até é injusto, passe a blasfémia.
Não sei avaliar a sua dimensão do que se pode dizer de verdade. Acho graça que este livro seja um espelho de si. Revela um profundo conheciemnto da alma humana.
Desejo que o livro o acompanhe até ao fim dos seus dias e suavize um pouco a amargura, ou não acha que este livro suporta tal sentimento?
Eu é que agradeço a lição do seu post e dos seus comentários.
Temos que ser todos um pouco avestruzes, é isso?
Desculpe se o ofendo, não é essa a minha intenção:):):)
Não ofende de forma alguma, a Ana é sempre muito gentil comigo e por isso não creio que alguma vez consiga ofender-me :-)
ResponderEliminarO livro é uma enorme obra prima, como muito bem acima referiu APS, porque ao dialogar com o leitor, através do «juiz penitente», Camus obriga-o a olhar para dentro de si próprio e todos acabam por descobrir algo de si naquele livro. Daí que eu tenha referido que senti o livro como um espelho. O conhecimento, a sabedoria está toda nas palavras de Camus, não em mim.
Quanto à necessidade que todos temos de ser um pouco como a avestruz, talvez um dia eu consiga contar-lhe o que aprendi sobre isso e como aprendi. Mas para fazê-lo será necessário ultrapassar a dificuldade mencionada por Eliot, numa citação que encontrei no «Arpose», e tenho sérias dúvidas que alguma vez o consiga...
Refiro-me a este post:
http://arpose.blogspot.com/2010/02/sobre-criacao-em-poesia.html
Temos mais um fã?
ResponderEliminarDino Valls mexe com a gente...
E Camus também.
:)
Sem dúvida! :-)
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