Andam a dizer mal da Monarchia,
Mas sem razão, fallemos a verdade;
Porque aos bons ninguém dá mais garantia
Nem pune aos máos com mais severidade.
Nunca paixões de certa qualidade
Prevaleceram contra o que cumpria,
Nem consta que inspirasse a iniquidade
Despacho, lei, decreto ou portaria!
Há setecentos annos simplesmente
Que este systema nos governa, e vêde
Commercio, industria, tudo florescente.
Os caminhos de ferro é uma rêde!
E quanto a instrucção, toda esta gente
Faz riscos de carvão n'uma parede.
João de Deus, «Campo de Flores - Satyras e Epigramas»,
II vol., Livraria Bertrand, p.11
Era tão talentoso, este homem, como poeta, que até conseguia introduzir "caminhos de ferro" num poema com naturalidade...
ResponderEliminar«E quanto a instrucção, toda esta gente
ResponderEliminarFaz riscos de carvão n'uma parede.» foi o verso que me fascinou. Já reparou como o essencial não mudou, apenas utilizam agora latas de tinta?
É verdade,"c.a.", também me lembrei dos graffitis...
ResponderEliminarSou fã deste poeta.
ResponderEliminarAcho que Portugal mudou bastante.
E quando João de Deus escreve «E quanto a instrucção, toda esta gente / Faz riscos de carvão n'uma parede.», referia-se à grande maioria da população que era analfabeta. Em 1907, 70% da população com mais de sete anos era analfabeta.
Confesso que só me lembrava de um ou dois poemas, dos meus velhos livros de leitura da escola primária. Comprei este livro recentemente, e descobri os poemas satíricos. Não fazia ideia que tinha escrito tantos, só me lembrava de um, o da menina que escondeu um colchão no toucado.
ResponderEliminarTem razão, Portugal mudou, a maioria da população já não é analfabeta, e o analfabetismo era, certamente, o que estava no espírito do poeta quando escreveu a frase que refere. Ainda assim, parece-me que com os bons poemas (diria, até, com a boa escrita em geral) passa-se algo semelhante ao que ocorre às boas leis: não se desactualizam. É verdade que, hoje em dia, a maioria dos portugueses (designadamente dos jovens) sabe ler, mas será que «lê» mesmo?...