Malangatana Ngwenya Valente respigado aqui
Vazaram-se as luas da savana
ossadas pálidas emigraram
dos corpos para o chão
ajoelharam-se os bois
exaustos de carregarem o sol
Escureceram as horas
nomeadas pela fome
extinguiu-se o sangue da terra
esvaiu-se o leite
num coágulo de saudade
Restam troncos
sustendo gemidos
mães oblíquas sonhando migalhas
mendigando crenças
para salvar os filhos já quase terrestres
Quem protege estes meninos
feitos de chuva que não veio?
Que casa lhes havemos de dar?
Amanhã
quando se entornarem os cântaros do céu
as aves voltarão a roçar a lua
e as cigarras de novo espalharão seu canto
Mas dos meninos
talhados a golpes de poeira
quantos restarão
para saudar o amanhecer dos frutos?
ossadas pálidas emigraram
dos corpos para o chão
ajoelharam-se os bois
exaustos de carregarem o sol
Escureceram as horas
nomeadas pela fome
extinguiu-se o sangue da terra
esvaiu-se o leite
num coágulo de saudade
Restam troncos
sustendo gemidos
mães oblíquas sonhando migalhas
mendigando crenças
para salvar os filhos já quase terrestres
Quem protege estes meninos
feitos de chuva que não veio?
Que casa lhes havemos de dar?
Amanhã
quando se entornarem os cântaros do céu
as aves voltarão a roçar a lua
e as cigarras de novo espalharão seu canto
Mas dos meninos
talhados a golpes de poeira
quantos restarão
para saudar o amanhecer dos frutos?
Mia Couto, Raiz do Orvalho, in Nunca Mais é Sábado - Antologia de Poesia Moçambicana, org. e prefácio de Nelson Saute, D. Quixote, p.502-503
Li um livro de contos de Mia Couto e gostei mornamente. Na pele de poeta, criador de poemas, não conheço, este foi o primeiro que li.
ResponderEliminarO poema liga muito bem com a tela que escolheu, não conhecia, aliás conheço poucos trabalhos de Malangatana.
E da mesma antologia, escolho este
ResponderEliminarCAFÉ FRIO
Com ninguém reparto meus sentimentos
Nas cacimbentas manhãs de Inverno
egocêntrico vou ingerindo
meu melancólico
café frio.
José Craveirinha
(um poeta da minha preferência, assim como gosto da pintura de Malangatana)
Para Ana:
ResponderEliminarConheço melhor a prosa que a poesia. Prefiro a prosa. Gosto particularmente da «Chuva Pasmada» e das «Estórias Abensonhadas», este último um livro de contos. Gosto de ler a minha língua e descobrir outra língua, à semelhança do que me aconteceu quando estive em Moçambique, isto é, há uma sensação de familiaridade no meio de um universo totalmente diferente.
Também me pareceu que o quadro «casava» bem com o poema. Julgo que têm a mesma «cor».
Obrigado :-)
Para MR:
Também gosto desse poema do José Craveirinha, cuja obra conheço muito mal. Não o associo ao quadro do Malangatana, parece-me que quadro e poema têm «cores» muito diferentes. Julgo que para este poema seria necessário um quadro em tons azul, com algum cinzento, ou seja cores que dificilmente encontramos num quadro do Malangatana. Estarei enganado?
Esteve em Moçambique?
ResponderEliminarÉ um destino que quero fazer depois de umas lutas. Moçambique sempre me atraiu... apesar da pobreza.
De Malangatana vi uma vez uma exposição e o meu conhecimento reporta-se a isso.
De Mia Couto li "Contos do Nascer da Terra" e fiquei por aí.
Achei graça ao título do seu post e esqueci-me de o referir. :)
Estive em Moçambique, sim, em 2005, pouco mais de uma semana. É um lugar mágico. Hei-de lá voltar.
ResponderEliminarO título não é meu, é do Mia, mas fico grato pela atenção amiga :-)
c.a., claro que o poema que transcrevi do Craveirinha não cola com o Malangatana que pôs. Sim acho que uns tons de preto e cinza ou de castanho têm mais a ver com a sua atmosfera.
ResponderEliminarApenas fui à mesma antologia escolher algo de diferente e como gosto muito do Craveirinha...
E fez muito bem, MR! Peço desculpa se a forma como escrevi lhe deu uma ideia diferente. Aliás, fiquei com vontade de ler mais e a si o devo. Gosto muito desta antologia. Voltarei a ela, com certeza. Grato pela chamada de atenção.
ResponderEliminarA pergunta sobre o Malangatana deve-se a pura ignorância, ao facto de me ter dito que gostava deste pintor, e por ter notado que conhece o tema. Julgo que Malangatana usa pouco os azuis, todas as telas de que me lembro são em tons relacionados com a terra, e não com o mar. Estou enganado?
Gosto bastante do Malangatana e acho que tem razão em relação às cores predominantes nas suas telas. Também as associo mais a África.
ResponderEliminarE acho que teve toda a razão em chamar a atenção para o facto do Malangatana não jogar com o poema do Craveirinha.
É sempre com prazer que venho à sua casa improvável.
Grato, MR.
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